9.9.05

Televisão: "males" que vêm por bem.

A curiosa situação constituída pela existência de um operador de televisão estatal e de apenas dois operadores privados, com proibição de estabelecimento de mais empresas de emissão televisiva em canal aberto, é criticável, na óptica liberal, sob os dois prismas: o que respeita à existência de canais estatais ("públicos"), e o que respeita à impossibilidade de estabelecer novos operadores.

Dado que a vasta maioria dos cidadãos não tem acesso a exprimir-se em qualquer dos três operadores de televisão, poderá defender-se estar-se em presença de uma significativa limitação da liberdade de expressão.

A televisão estatal, pelo seu lado, é normalmente dominada pelos vencedores das eleições anteriores a um qualquer dado momento, pelo que a sua acção poderá tender a manter o poder, em contraposição a promover a alternância do poder, constituindo esta, como é sabido, critério operacional de Democracia segundo K. Popper.

A eventual compra de um dos operadores privados por uma entidade estrangeira não constituirá propriamente um "mal". No contexto de um país inserido numa economia globalizada, será provavelmente uma questão de tempo até os dois operadores privados estarem nas mãos de estrangeiros. É que se trata de um negócio potencialmente rentável, uma vez que o Estado não permite a mais ninguém ter um canal de televisão, estabelecendo um oligopólio no principal mercado da comunicação social.

O "mal" não estará, então, no facto de vir alguém de fora pagar um valor interessante (para o anterior proprietário) por uma empresa potencialmente rentável. Estará na limitação, imposta pelo Estado e para além de condicionalismos técnicos, de estabelecimento de novos operadores, ou seja, a flagrante limitação da concorrência no sector.

Poder-se-á colocar a hipótese de que quanto menor for o número de operadores, maior poderá ser a probabilidade de eles se virem a encontrar em mãos estrangeiras.

Sendo assim, a entrada de uma ou mais entidades estrangeiras no (restrito) mercado pode (espera-se) funcionar como um "mal" que vem por bem, uma vez que torna claro que a existência de operadores nacionais será mais bem defendida pelo pluralismo de operadores, em contraposição com um oligopólio.

José Pedro Lopes Nunes