5.3.07

E assim os professores a perderam


A quebra drástica da autoridade do professor dentro da sala de aula tem sido apontada como uma das causas principais da crise do sistema de educação. E o tema da agressão aos professores, que agora ganhou relevância pública, é uma das suas manifestações mais radicais.
Em consequência, nos últimos trinta anos, a profissão de professor perdeu o enorme prestígio social que antes possuia.###
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Embora a mesma quebra de autoridade tenha acontecido com outras profissões, como a de juiz ou mesmo a de médico, e esteja em vias de acontecer com a condição de pai e a de mãe, parece evidente que os professores - especialmente os do ensino primário e secundário - foram as suas vítimas principais..
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Na nossa cultura, a noção de autoridade tem uma inspiração profundamente cristã e em Portugal não poderia senão ter origem na corrente do cristianismo que desde sempre foi prevalecente no país - o catolicismo.
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Não é de mais relembrar que o Papa, que é a autoridade suprema da Igreja, deriva a sua autoridade, não do consentimento dos homens, mas de um compromisso com Deus: "Tu cuidarás da Minha Igreja; para isso, dar-te-ei plenos poderes". E é assim que o Papa possui sobre a Igreja um poder que é "pleno, supremo e universal, que pode sempre livremente exercer" (Cat.: 882). Possuindo uma autoridade absoluta que lhe foi conferida por Deus, o Papa torna-se, em consequência, o mais livre dos filhos de Deus. E ele exerce a sua autoridade cumprindo o compromisso que assumiu para com Deus. (No que segue, utilizo os termos autoridade e poder como sinónimos, sabendo embora que o primeiro possui uma conotação moral que não está presente no segundo).
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Mesmo os bispos recebem a sua autoridade directamente de Deus, não do Papa: "Os bispos dirigem as suas Igrejas particulares, como vigários e legados de Cristo (...)" (Cat.: 894). Em consequência, "(...) os bispos não devem ser considerados como vigários do Papa; a autoridade ordinária e imediata deste, sobre toda a Igreja, não anula, pelo contrário, confirma e defende, a daqueles. (...)" (Cat.: 895).
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É sobre um compromisso semelhante com Deus que se funda a autoridade tradicional do professor. "Tu educarás os Meus filhos; e, para isso, dar-te-ei plenos poderes". Dentro da sala de aula, então, o professor tornava-se uma espécie de papa com um poder que era pleno, supremo e universal e que ele podia sempre livremente exercer. O professor exercia a sua autoridade cumprindo a sua parte no compromisso - educar as crianças e os adolescentes de acordo com a vontade de Deus. E, por isso, ele dispunha de toda a liberdade.
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A autoridade do professor começou a desmoronar-se quando esta relação foi profanada pela interferência do poder político. Os poderes que lhe eram conferidos passaram agora a vir, não de Deus, mas dos homens - dos ministros, dos funcionários, dos assesores pedagógicos do Ministério da Educação. E esses poderes eram específicos, detalhados, minuciosos: ensine estas e aquelas matérias, desta e daquela maneira, estabeleça tais e tais relações com os alunos, utilize este método pedagógico, e não outro. Dispondo agora de poderes que eram assim limitados, o professor deixou de ser livre para educar crianças e adolescentes de acordo com aquilo que a sua consciência lhe dizia ser a vontade de Deus. E deixou de cumprir o seu compromisso com Deus. Em consequência, perdeu a autoridade que Deus lhe tinha dado para esse efeito.
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Quando, perante a actual crise educativa, os alunos se revoltam contra os professores, eles estão, na realidade, a interrogá-los: "Então, não cumpres o teu compromisso com Deus, que é o de me educares?" . Perante a ausência de resposta e a demissão, eles revoltam-se. E o mesmo acontece com os pais e a sociedade em geral.
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É preciso, no entanto, salientar, que a profanação da relação que existia entre o professor e Deus não foi devida unicamente ao poder político. Foi também devida aos professores. Porque, quando através dos seus sindicatos, os professores começaram a aparecer em público reinvidicando salários, férias, pensões de reforma, progressões na carreira e frequentemente, recorrendo à greve para os conseguirem, os pais dos alunos, os próprios alunos e a sociedade em geral, concluiram: "Eles não parecem sobretudo empenhados em cumprir o seu compromisso com Deus - que é o de educar crianças e jovens adolescentes. Eles parecem tão ou mais empenhados em obter benefícios para si próprios. Mas se eles não estão empenhados em cumprir o seu compromisso com Deus, eles não merecem mais a autoridade que Deus lhes deu para esse fim.".
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E assim os professores a perderam.