7.5.04

HIPOCRISIA AUTOMÓVEL (e jurídica) II

Em complemento à posta anterior do Rui, há um aspecto que não consigo compreender na evolução da política sancionatória dos ilícitos rodoviários - é que, em direito penal, as teorias em voga acerca dos fins das penas há muito que afastaram os puros intuitos retributivos e punitivos.

A ideia de que a pena serviria para castigar o "criminoso" foi ultrapassada. Do mesmo modo a pena perdeu o seu cariz de "exemplo" jurídico-piedoso de uma dura punição para atemorizar a sociedade e, pelo medo, tentar prevenir o crime.

No entanto, quando verificamos a evolução das sanções rodoviárias aquilo que vemos é exactamente o inverso - aí, o fim da pena é a pura ideia de castigo, robustecida por uma dose crescente de terror.

As sanções pecuniárias são desporporcionadas ao nível do disparate - chegam a quase quadruplicar o ordenado mínimo nacional.

Ainda por cima, esta tendência de terror punitivo que se iniciou há alguns anos não está a resultar, nem vai obter os efeitos idealmente almejados pela fé do legislador.

Tal como noutras áreas "criminais", no direito rodoviário a gravidade das penas não implica directamente com o decréscimo das infracções, nem em quantidade, nem em qualidade.

Na mesma linha de raciocínio, existem novas infracções - como o conduzir e falar ao telemóvel através de um auricular - que levantam inúmeras dúvidas acerca da sua idoneidade. Baseiam-se em estudos de alcance e propósitos duvidosos.

Mas o legislador é cego ou gosta de o parecer. Daqui a alguns anos os números dos acidentes continuarão a crescer e a dureza das sanções também. Até que, finalmente, as pessoas se comecem a perguntar se este tipo de política tem alguma eficácia e se não será necessária outra abordagem.

Até lá, vamos pé-ante-pé, até ao absurdo.