23.9.04

E ainda mais apriorismos

O debate à volta da escola autríaca está, como muitos debates, contaminada pela falácia do homem de palha. Os detractores da escola austríaca construíram um homem de palha que nada tem a ver com ela para melhor a poderem atacar.

Ao contrário do que sugerem muitos dos textos que o Manuel cita, a Escola Austríaca é perfeitamente compatível com:

  • A análise de dados históricos
  • A experimentação
  • Simulações
  • Previsões num contexto empresarial

    Os dados históricos podem ser utilizados para extrair pistas sobre as leis económicas, mas as leis propriamente ditas têm que ter um forte suporte nas características expectáveis de agentes. Por princípio, a experimentação pode ser utilizada, desde que todos os factores sejam devidamente controlado e desde que as conclusões não extrapolem o âmbito da experiência. As simulações computacionais baseadas em agentes podem ser utilizadas como um substituto para a dedução lógica e da experimentação, desde que os resultados sejam correctamente interpretados e desde que não se façam extrapolações abusivas. As previsões podem ser feitas, mas essas previsões não são ciência, são conjecturas que podem estar certas, ou não. São uma actividade económica de risco.

    A Escola austríaca é incompatível com:
  • a dedução das leis intemporais da economia a partir de observações macroeconómicas/históricas
  • a ideia de que a previsão macroeconómica é uma actividade científica

    As leis económicas não podem ser deduzidas a partir de observações macroeconómicas porque, a economia é um sistema complexo em que os mesmos dados macroeconómicos podem ser causados por diferentes conjuntos de dados microeconómicos. Não existe uma relação de um pra um entre os dados microeconómicas e os dados macroeconómicos. Como a evolução dos dados macroeconómicos depende da situação microeconómica específica que lhes deu origem, os mesmos dados macroeconómicos podem evoluir de de forma diferente conforme a situação microeconómica. Por este motivo, os dados macroeconómicos são circunstanciais, não podem ser extrapolados de um momento histórico para outro e não podem ser usados para estabelecer leis gerais e abstratas.

    Dado que as relações entre quantidades macroeconómicas dependem do momento histórico, as relações que se estabelecem a cada momento entre elas são furtuitas. Por exemplo, uma determinada relação empírica, obtida num determinado momento, entre a inflação e o desemprego não pode ser usada para estabelecer uma lei económica que estabelece uma relação universal entre inflação e desemprego porque a inflação e o desemprego não podem ser a causa uma da outra. Tanto a inflação como o desemprego são causadas pela acção dos agentes individuais. A acção dos agentes individuais não está ao alcance da observação porque nenhum economista tem acesso à actividade, as motivações e às circunstâncias locais de cada agente e por isso, as causas da inflação e do desemprego não podem ser determinadas por observação.

    Os acontecimentos históricos são irrepetíveis e nenhum método estatístico pode controlar todas as variáveis em jogo.

    Como os acontecimentos históricos são irrepetíveis e como as relações macroecónimicas são fortuitas, toda a previsão é uma actividade de risco. O risco é tanto maior quanto menos informação sobre a realidade for incorporada nos modelos, de modo que os modelos bem sucedidos não resultam de nenhum insight sobre o funcionamento da realidade, mas da mera hipótese de que o futuro será mais ou menos igual ao passado. O que não é bem verdade, mas pode dar lucro. E às vezes dá prejuízo.

    A previsão é uma actividade de risco que aproveita determinadas oportunidades recém-descobertas. A partir do momento em que as oportunidades se tornam do domínio público, passam a ser exploradas por um número cada vez maior de agentes. Como os agentes mudam o seu comportamento de acordo com a informação recém adquirida, também muda a realidade e os pressupostos dos modelos deixam de ser válidos e as previsões falham.