21.11.06

Três ideias


Liberalismo, globalização e multiculturalismo são três ideias essenciais da modernidade. São três boas ideias porque, onde quer que elas tenham prevalecido, contribuiram para tornar a vida das pessoas mais próspera e mais pacífica. Nós próprios, portugueses, estamos expostos a elas. E os resultados estão à vista. Nos últimos 20 anos a sociedade portuguesa teve uma transformação extraordinária - e uma transformação para melhor.###

As pessoas precisam de fazer sentido da vida. E os intelectuais portugueses têm ido procurar nos países anglo-saxónicos e nos autores anglo-saxónicos as ideias que lhes permitam fazer sentido da sua própria vida e da sua sociedade - uma sociedade influenciada pelos ideias do liberalismo, da globalização e do multiculturalismo (esta última imposta pelas necessidades da imigração).

Os três últimos séculos da história de Portugal não se recomendam e não deixaram grandes motivos para orgulho. Por isso, aos olhos dos intelectuais portugueses, o liberalismo, se é alguma coisa de bom, só pode ter sido inventado no estrangeiro (provavelmente no Reino Unido). O mesmo com a globalização (provavelmente inventada nos EUA) e com o multiculturalismo (talvez inventado no Canadá ou na Austrália).

Num post anterior, argumentei que o liberalismo não possui origem anglo-saxónica, mas portuguesa e espanhola (e católica). As reacções variaram entre a negação, o cepticismo e o escárnio. Os portugueses não têm ideias - esta é uma herança dos últimos três séculos - e se algum português fala de liberalismo, ele não pode ser senão um comerciante de ideias importadas e, portanto, um comerciante de ideias em segunda mão.

A verdade, porém, é que as ideias, quando são verdadeiras, têm muito poder - na realidade, o mundo é governado por pouco mais. Por isso, é gratificante ver hoje o blogue Causa Liberal (post "The Scholastics") a citar os tomistas ibéricos do século XVI com teses que em nada diferem, e na realidade antecipam, as do liberalismo económico moderno (o nosso próprio rui a. desde há algum tempo que se vinha referindo ao tema com posts, se não estou em erro, sobre as ideias do Juan de Mariana).

Quanto à globalização, que é entendida primordialmente como comércio intercontinental, não foram os EUA que a inventaram. Foram os portugueses no século XV. E, no que respeita ao multiculturalismo, essa arte de fazer conviver no mesmo espaço pessoas de raças e religiões diferentes, falando línguas diferentes, também foram os portugueses que o criaram, não os canadianos, os australianos ou os ingleses.

Portugal transformou-se radicalmente, e para melhor, nos últimos vinte anos, na economia e na sociedade. Porém, a sua intelectualidade conheceu, talvez, menos progressos. E, no entanto, o projecto para os intelectuais portugueses, e a sua contribuição à civilização e à modernidade, deveria parecer óbvio: retomar a tradição das ideias e das instituições que os próprios portugueses inventaram e que voltam a ser novas outras vez - o liberalismo, a globalização e o multiculturalismo.