3.1.07

desde que seja para falarem de Deus


No seguimento dos meus posts anteriores, eu tinha planeado apresentar ainda hoje um post contendo uma tese que julgo verdadeira e, talvez, de certo modo original sobre a relação entre religiosidade e Estado de direito. Porém, em vista da reacção que os meus posts geraram, não apenas entre os comentadores, mas entre os próprios blasfemos, que decidiram fazer outros tantos posts sobre a evocação de Deus nas constituições políticas de diversos países, ou sobre a ausência dela, eu decidi adiar o assunto para outro dia.

Nada pior do que apresentar uma tese nova num clima de expectativa e de uma certa agitação agitação - só gera reacções negativas. Para ser eficaz, uma tese nova tem de ser apresentada de forma inesperada e surpreendente, e num clima de serenidade, afim de passar todas as fases pelas quais todas as verdades, segundo Schopenhauer, têm obrigatoriamente de passar: primeiro, são ridicularizadas; segundo, são violentamente contestadas; terceiro, são aceites como óbvias. A última vez que consegui este resultado foi ainda há cinco dias com o post noutro lugar e, por isso, achei por bem não abusar da sorte.

Assim, decidi apresentar outra tese: desde que conheço o Blasfémias, em nenhum dia, como hoje, ele se pareceu tanto com a igreja - e com a igreja católica.###

Uma das questões acerca das quais eu demorei mais anos para encontrar resposta foi a de saber como era possível que uma instituição baseada em relações voluntárias, sem poderes coercivos, alvo de tantos e tão ferozes ataques ao longo da sua história e atravessando todas as tragédias da humanidade - como foi o caso da Igreja Católica - tenha conseguido, ainda assim, sobreviver e tornar-se a instituição de maior longevidade na história da civilização.

A resposta acabei por encontrá-la pela mão do historiador britânico Thomas Macaulay e residia na capacidade da Igreja para lidar com a dissidência. Esta capacidade reveste formas subtis de que nem um homem num milhão se consegue aperceber, mas que são extraordinariamente eficazes. Uma delas, sob o argumento de que todos os homens são filhos de Deus, consiste em abrir as portas a toda a gente, mesmo aos seus mais viscerais inimigos, e aceitar dialogar com pessoas de todas as persuasões religiosas, ou ausência delas - crentes, agnósticos e ateus. Desde que o tema da conversa seja Deus.

Abrindo a sua casa a todos, desde que seja para falarem de Deus, a Igreja não apenas aceita falar com todos, como ela própria encoraja a falar sobretudo aqueles que são os mais acérrimos adversários de Deus, ao ponto de negarem a sua existência - os ateus. E é por essa via que ela desacredita os ateus. Na realidade, qualquer observador independente acabará naturalmente por interrogar-se como é possível que aquele homem ou mulher, que se diz ateu, gaste tanta energia intelectual, tanto tempo e, às vezes, tanto dinheiro, para se documentar, para estudar e para falar sobre algo em que não acredita - Deus. Não ocorreria a ninguém despender recursos assim para falar de gambozinos.

Logo de seguida, a Igreja desacredita os agnósticos. Abrindo as portas a todos os interessados e dando liberdade de pensamento e de expressão às duas partes em confronto - crentes e ateus - e fazendo geralmente prova de uma paciência sem limites até que todos os argumentos tenham sido apresentados de um e de outro lado da questão, a Igreja deixa os agnósticos numa posição
muito difícil. Pois se, possuindo agora toda a informação sobre os dois lados da questão, ainda assim eles se declaram incapazes de escolher entre a posição teísta e a posição ateísta, então o problema já não é da Igreja, mas só pode ser deles, que são incapazes de decidir.