Os países de tradição católica possuem instituições extraordinárias e os povos católicos são capazes de feitos extraordinários quando decidem viver de acordo com as suas instituições e as suas tradições ancestrais. Pelo contrário, quando decidem viver adoptando instituições e imitando tradições que lhe são estranhas, saem-se invariavelmente mal.###
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Num post anterior, sob o título semos todos, eu reproduzi o diálogo ocorrido entre um juiz e uma testemunha em tribunal, durante os anos 60. Um dos aspectos mais salientes do diálogo é o respeito com que a testemunha trata o juiz: "...Vossa Excelência..., Senhor Doutor Juiz...". Os juizes eram então autoridades, e autoridades razoavelmente livres, desde que não pusessem em causa o regime.
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Hoje, pelo contrário, os juizes - excepto aqueles que se encontram no topo da hierarquia - nem são autoridades, nem são livres, e isso explica em grande parte a actual crise da justiça. Deixando-se funcionalizar, como qualquer outra categoria de trabalhadores do Estado, e dependendo o seu progresso na carreira da avaliação que deles é feita pelos seus superiores hierárquicos, a inferência a extraír é a de que que muitas das suas decisões são determinadas, menos pela sua consciência e os méritos de cada caso, e mais por aquilo que eles consideram que os seus superiores hierárquicos decidiriam em idênticas circunstâncias.
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Ao perderem autoridade e também liberdade, os juizes portugueses afastaram-se cada vez mais da realização do ideal de justiça porque este ideal, se é atingível neste mundo, só pode ser atingido por juízes que sejam autoridades livres. Nos países de tradição católica, esta aproximação ao estatuto de autoridade livre nem requer grande esforço de imaginação, porque o exemplo supremo da autoridade livre está aí à vista de todos e é só uma questão de imitar.
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Para ilustrar a importância do estatuto de autoridade livre para a realização do ideal de justiça, figurarei propositadamente uma situação extrema. Admitamos que eu sou acusado por todos os os habitantes do mundo de um crime que, na realidade, não cometi. E que me é concedida uma única e derradeira graça, qual seja a de ser eu a escolher a pessoa, o grupo de pessoas, ou a instituição que me vai julgar. A minha escolha seria, sem hesitação: o Papa.
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Eu não escolheria o Primeiro-Ministro ou o Presidente da República de Portugal ou, para o efeito, de qualquer outro país - quaisquer que eles fossem na altura - porque, se todos os portugueses, e todos os cidadãos de qualquer outro país do mundo, me acusam, eles iriam quase de certeza condenar-me, afim de agradarem à opinião pública e se fazerem reeleger.
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Por razões semelhantes, eu não escolheria nenhum juiz ou colectivo de juizes portugueses ou de qualquer outro país: se eles me absolvessem, contra a totalidade da opinião pública do país e do mundo, o mais provável é que perdessem os seus lugares, fossem prejudicados nas suas carreiras ou até acusados de algum crime ainda mais gravoso do que aquele que sobre mim impende.
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Primeiros-Ministros e Presidentes, juizes e colectivos de juízes são autoridades, mas não são autoridades absolutamente livres. Eles dependem de outras pessoas para manterem os seus lugares, os seus respectivos estatutos, as suas carreiras e sustentarem as suas famílias.
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Existe apenas uma pessoa no mundo que é uma autoridade absolutamente livre, a mais livre de todas as autoridades, a única pessoa que não depende de ninguém neste mundo para manter o seu lugar; por isso, a única pessoa que, se eu a conseguir persuadir da minha inocência, com probabilidade máxima será capaz de declarar a minha absolvição, ainda que contra a opinião de todos os homens e de todas mulheres do mundo. Essa pessoa é o Papa.
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Parece, por isso, às vezes estranho que existam crises da justiça nos países católicos, como em Portugal. Afinal, este estes países possuem dentro das suas próprias fronteiras o modelo de organização institucional que melhor permite atingir o ideal de justiça - se é que este ideal é, na realidade, atingível na terra.