Num post anterior, citei um estudo de Pedro Lains (indicado em anexo, ver Graph 2: Portuguese income per capita as per cent of Average 9, 1910-1998) que traçava a história neste século do nível de vida português relativamente à Europa, através da evolução do PIB per capita em Portugal em percentagem do PIB per capita de nove países europeus.###
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A história deste indicador resume-se assim: de um valor de 35% em 1926 passou para 60% em 1973. A partir daí caíu e só voltou a 60% nos finais da década de 80. Durante a década de 90 continuou a subir para atingir o valor máximo de 65% em 1998, ano em que termina o estudo. Desde então, este indicador tem caído significativamente, especialmente nos últimos seis anos. A minha estimativa é a de que actualmente ele vale 57%, isto é, Portugal está hoje mais atrasado em relação à Europa do que estava quando o Estado Novo foi derrubado.
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Numa série de posts mais recentes mencionei o risco de Portugal ter de abandonar o euro, em virtude de uma perda acelerada de competitividade face aos outros paises da Europa desde a criação da moeda única em 1999. E, no jargão técnico, afirmei que a solução estava em reduzir o crescimento dos custos unitários em trabalho, o que, na prática, significa conter o crescimento salarial ou aumentar a produtividade (ou as duas coisas).
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Nesta equação, a variável-chave é a produtividade. Em última instância, a produtividade é a variável-chave da melhoria das condições materiais de vida dos cidadãos. Num país em que as pessoas consigam produzir, em média, num ano mais 3% do que aquilo que produziam no ano anterior, o rendimento médio dos seus habitantes vai também aumentar 3% ao ano. Sem crescimento da produtividade, não pode haver aumento de rendimentos (excepto pela via das ajudas externas). E a produtividade em Portugal está praticamente estagnada desde há seis anos.
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Entre 1926 e 1973, a produtividade média na Europa cresceu à taxa anual de 3% ao ano. Em Portugal cresceu 4% ao ano. Foi este diferencial de 1% ao ano que durante esse período nos permitiu recuperar significativamente do atraso que possuíamos. Desde 1974 para cá, a produtividade na Europa cresceu à taxa média anual de 2% ao ano e em Portugal também, na realidade um pouco abaixo. Daí a ligeira deterioração no nosso nível de vida relativamente à Europa neste período.
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A produtividade (média) dos trabalhadores de um país é a quantidade (média) de bens e serviços que eles produzem por ano. É, por isso, essencial conhecer os factores que determinam o crescimento da produtividade para, se possível, actuar sobre eles para os melhorar. Entre 1926 e 1973 os portugueses conseguiram ganhos de produtividade de 4% ao ano (entre 1950 e 1973 conseguiram mesmo 6,2% ao ano); desde então, não conseguiram mais do que 2% e, nos últimos anos, nem isso.
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A produtividade depende em primeiro lugar de factores pessoais, como o empenho que cada pessoa põe no trabalho e o seu nível de educação. Em Portugal, tem-se atribuído uma importância quase exclusiva à educação para melhorar a produtividade. Porém, com níveis de escolaridade superiores àqueles que existiam durante o Estado Novo, os ganhos de produtividade nos últimos trinta anos são apenas metade daqueles que foram realizados entre 1926 e 1973. A educação é importante para a produtividade, mas está longe de ser tudo.
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Existem, em seguida, factores institucionais, e estes são igualmente importantes. Penso que é aqui que se situa uma boa parte das dificuldades que se pôem ao crescimento da produtividade em Portugal nos dias de hoje. A disponibilidade de bons equipamentos sociais (v.g., estradas, portos, etc.) favorece a produtividade. Pelo contrário, legislações laborais excessivamente protectoras dos trabalhadores desfavorece-a, porque os trabalhadores sabem que mesmo que trabalhem menos, o patrão dificilmente os despedirá, porque as indemnizações são proibitivas.
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Um sistema de justiça ineficaz penaliza enormemente a produtividade: as empresas vendem menos e produzem menos quando receiam que os compradores não lhes paguem - e estão certas que os tribunais, ou são incapazes de fazer cumprir os contratos, ou só os fazem cumprir ao fim de muitos anos. A qualidade das instituições, aqui exemplificada pela justiça, mas que também se estende a outras - como a administração fiscal, as instituições de saúde e de educação - é crucial para o crescimento da produtividade - e as nossas instituições têm-se deteriorado consideravelmente nos últimos anos, excepção, talvez, à saúde.
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O Estado, que é uma instituição indispensável à sociedade, é também reconhecidamente uma instituição ineficiente e de produtividade abaixo do par. A razão é que, nesta instituição, uns gastam o dinheiro dos outros, e o patrão nunca está presente. Um país que tenha um Estado muito grande em termos económicos - o nosso representa 48% do PIB - é um país que está a penalizar a sua produtividade média. O mesmo se aplica ao excesso de regulamentação sobre a actividade privada com o consequente aumento da burocracia. Assim, por exemplo, um país onde chega a demorar 5 anos a concessão de uma licença de construção, não pode aspirar aos níveis de produtividade de um outro em que a licença é concedida em 3 meses.
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Todos os factores acima são modificáveis, embora seja quase sempre difícil fazê-lo. Porém, existe uma terceira classe de factores que influenciam a produtividade e que são os mais difíceis de alterar. São os factores culturais. É muito difícil modificar estes factores porque as pessoas dificilmente se apercebem deles e, por isso, consideram que os comportamentos que eles traduzem são os comportamentos normais, e nunca lhes ocorreria modificá-los.
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Por exemplo, a capacidade para gerar consensos na sociedade que, num post anterior, eu referi como reflectindo a qualidade da opinião pública. Num país do norte da Europa há muito que a sociedade já teria chegado a um consenso sobre se se faz ou não se faz a OTA e o TGV. Em Portugal, onde a opinião pública é de má qualidade e não gera consensos, a discussão será eterna, haverá estudos e contra-estudos, senão mesmo processos judiciais (já se prevêem) e contra-processos, com o consequente esbanjar de tempo, trabalho, dinheiro e outros recursos.
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No norte da Europa também, um trabalhador, mesmo do meio da hierarquia, sabe aquilo que tem de fazer, ainda que o patrão não esteja presente. Pelo contrário, em Portugal, é mais provável que o trabalhador fique de braços cruzados e sem nada fazer até que o patrão chegue e lhe diga aquilo que ele tem de fazer. Trata-se aqui da distinção entre uma autoridade-livre a um sujeito-livre, a que fiz referência em posts anteriores.
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Anexo: http://www.ics.ul.pt/publicacoes/workingpapers/wp/2003/WP1-2003.pdf