Sobre as eleições francesas bem podem os leitores recuperar a edição de 23 de Abril do PÚBLICO. O texto de Rui Tavares explica tudo duma forma clara. Dessa análise apenas não percebo por que razão a senhora Arlette Laguiller se viu reduzida, por Rui Tavares, a uma «trotsquista repetitiva». Não é que ela não seja ambas as coisas – e sendo certo que se pode ser repetitivo sem se ser trotsquista já o contrário é muito mais difícil – mas o mais interessante da senhora Laguiller não é o que diz mas sim o que faz: em pleno século XXI, Arlette Laguiller mantém o seu partido, o Luta Operária, com uma estrutura semi-clandestina. Para quê? Não se sabe. Mas enfim as candidaturas trotsquistas fazem parte da paisagem francesa e é aos trotsquistas que a França deve um dos jornais onde melhor se escreve em francês, o Libération. ###
Mas desta primeira volta das eleições francesas resulta não tanto um facto novo mas mais uma confirmação: o desaparecimento dos comunistas franceses. Para perceber o ocaso destes basta perguntar: alguém sabe quem é Marie-Georges Buffet? Com um bocadinho de esforço (ou do Google!) descobre-se que é a actual líder dos comunistas franceses. E confirma-se que nestas eleições a sua votação foi quase residual.
Significativamente na sua edição on line o Libération dava ontem destaque à jornada eleitoral em Argenteuil. Associações e activistas de Argenteuil davam conta das suas expectativas nestas presidenciais. Durante 65 anos Argenteuil foi terra do PCF. Em 2002, nas eleições municipais, os comunistas perderam Argenteuil para a direita gaullista. E nestas presidenciais a líder dos comunistas franceses mal passou os 3 por cento em Argenteuil. Segoléne teve aí dez vezes mais votos do que Marie-Georges Buffet. Sarkozy 8 vezes mais. E até Le Pen conseguiu o triplo dos votos dos comunistas. O que aconteceu em Argenteuil não é muito diverso daquilo que aconteceu noutros locais: os operários e os votantes tradicionais do PCF não só perderam o domínio da rua, no plano reivindicativo, como ganharam medo da rua. Essa rua onde se passeiam grupos de jovens que eles acham estrangeiros. A pergunta – Pode ou não uma mulher coberta com um veu islâmico ter um documento de identificação francês? Deve ou não a cadeia de perfumarias francesa Marionnaud ser vendida a investidores chineses? – não são exercícios especulativos em locais como Argenteuil.
O declínio dos comunistas pode ser explicado pela falta de respostas para questões como esta. Também pelo desaparecimento da URSS. Pela falência do modelo marxista... Mas esse declínio, que levou a que os militantes comunistas sejam olhados hoje quase como uma relíquia, propiciou o aparecimento duma outra figura, o chamado activista.
Procurem-se activistas nos jornais dos anos 60, 70 e início dos 80 e dificilmente se avistará algum. Havia lutadores, companheiros, militantes, defensores disto e daquilo mas activistas não. Os activistas e o activismo deram-se bem no caldo de cultura resultante da queda do Muro de Berlim. Mas não só.
Ser activista é sem dúvida muito mais moderno do que ser militante. Por outro lado o activista é um ser desembaraçado de passado. Não há Gulags que os embaracem, nem odes a Estaline que os comprometam. Não há países amigos. Apenas experiências alternativas e retratos do Che. O activismo é uma espécie de militância em versão light. Sem sabor mas não isento de efeitos secundários. Como bem se vê em França.
*PÚBLICO, 24 de Abril