Trata-se de uma percepção da realidade quase exclusivamente centrada numa estreita relação de proximidade. Tudo é apreciado mediante a valoração apriorística que se tem do que está mais perto - os problemas do mundo reconduzem-se às questões da minha "aldeia" e as múltiplas contrariedades do nosso tempo serão, no fundo, as vicissitudes que acontecem na "minha rua".
A endémica centralização portuguesa - mais uma má tradição de muitos séculos - forçou este paradigma de aferição das coisas como dominante. Indiscutível, até. Qualquer assunto da capital converte-se, falaciosa mas quase inconscientemente, num problema capital para todo o país.
Em lado nenhum do mundo por onde andei conheci maior provincianismo do que a forma lisboeta de encarar o mundo através da sua apreensão irremediavelmente umbilical. O tipo normativo comum do lisboeta crê-se o centro do país em todas as suas dimensões. Pior: julga-se, cumulativamente, no âmago do universo conhecido e desconhecido. Enquanto que um cidadão do Porto, Braga, Coimbra, do Algarve, etc., em todos os seus juízos tem a preocupação de incluir o "outro", i.e. as diversas compreensões adquiridas noutros espaços, sobretudo noutros lugares do mundo, o lisboeta não. Acha esse esforço excessivamente ocioso.
Os exemplos são inúmeros. Hoje apenas chamo a atenção para o ribombar mediático que está a deflagrar a propósito da... inauguração de um túnel rodoviário no centro de Lisboa...
Cuida aquela pobre gente que Portugal inteiro está suspenso nessa boa nova. Porque isso afecta o dia-a-dia dos fazedores dessas notícias, acreditam piamente que os 10 milhões de portugueses, mais os vários milhões emigrados em toda a parte, bem como, certamente, os poderes constituídos e a constituir na comunidade internacional, hoje, inapelavelmente, só têm no pensamento um tema, um só assunto: a problemática do túnel do marquês.
Essa é a base lógica referencial do provincianismo que nos assola, doença tão crónica que a cuidamos normal.