28.4.07

Separação entre o Estado e todas as religiões

Respondendo à Fernanda Câncio, começando pelos primeiros princípios. Porque é que deve haver separação entre a Igreja e o Estado?

Não pode ser por causa da bondade ou falta de bondade das ideias religiosas. Se fosse por isso, a separação não poderia ser absoluta. Poderia argumentar-se que existem ideias religiosas boas e que, nesse caso, não haveria nenhuma necessidade de separação. Teriamos um sistema que separaria o estado apenas de algumas religiões ou apenas de alguns aspectos religiosos negativos mas não dos positivos.

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Acontece que se entende que a separação entre a Igreja e o estado deve ser total. Logo, o argumento não se pode basear na falta de bondade das ideias religiosas. Tentemos percebe porquê.

Numa sociedade livre não podem existir verdades oficiais nem autoridades oficiais de validação do que é bom. A razão pela qual tais autoridades não podem existir está no facto de que se existissem a sociedade deixaria de ser livre. As escolhas das pessoas ficariam condicionadas pelas escolhas oficiais. Por exemplo, se o estado adoptasse a Igreja Maná como Igreja oficial, as pessoas seriam condicionadas na escolha da sua religião porque o apoio do estado enviesaria os argumentos a favor da Igreja Oficial. Não viria nenhum mal ao mundo se o Estado fizesse uma boa escolha. Mas o simples facto de o Estado, com todo o seu poder, interferir nas escolhas de todos, diminui a probabilidade de boas escolhas porque deixa de haver liberdade de oportunidade entre opções e o processo social de selecção é deturpado.

Por outro lado, o facto de uma instituição ser protegida pelo Estado enfraquece-a. A Instituição deixa de precisar de demonstrar os seus próprios méritos e perde vitalidade. O mesmo acontece com as ideias. Uma ideia que seja protegida pelo estado é uma ideia que não se renova, que não se adapta às mudanças sociais, e que a prazo se torna uma caricatura do que em tempos foi. Ironicamente, a separação entre a Igreja e o Estado é benéfica para as duas instituições. É boa para a vitalidade religiosa e é boa para o bom funcionamento do estado.

Para além de tudo o mais, numa sociedade liberal as pessoas têm o direito ao erro. Têm o direito de seguir religiões que as prejudiquem ou que prejudiquem determinados valores que algumas pessoas consideram importantes. E têm o direito de não contribuir para a promoção de crenças contrárias às suas. Ora, quando o Estado promove uma religião tranforma todos os cidadãos em promotores dessa religião. Note-se que isso é inadmissível, mesmo quando existe apenas um cidadão que não concorda com a promoção dessa religião porque esse cidadão tem o direito a não contribuir para a promoção de ideias contrárias às suas.

Estes argumentos contra a promiscuidade entre o Estado e a Igreja ou entre o Estado e as ideias religiosas são válidos para a promiscuidade entre o Estado e muitas outras instituições ou ideias. E é perfeitamente válido para as comemorações do 25 de Abril (as ditas comemorações da Liberdade e da Democracia). Em primeiro lugar, é preciso que se perceba que uma comemoração só faz sentido se for sentida, se for espontânea, se vier do coração. Ora, quando o estado interfere numa comemoração corre o risco de tornar essas comemorações hipócritas, falsas, forçadas ...

Pode-se argumentar que a Liberdade e a Democracia são boas e que por isso não há mal nenhum em que o Estado interfira. Mas, como vimos no caso das religiões, isso não pode ser argumento. Primeiro porque nós só podemos saber se a Liberdade e a Democracia são ideias boas se as ideias contrárias tiverem as mesmas oportunidades no mercado de informação. Em segundo lugar porque ninguém deve ser obrigado a contribuir para a comemoração de ideias que não deseja comemorar. Em terceiro lugar porque a Liberdade e a Democracia só serão ideias vivas se não forem protegidas pela força do Estado. Na Assembleia da República não se comemora a Democracia e a Liberdade, comemoram-se caricaturas da Democracia e da Liberdade. E são os partidos totalitários que comemoram essas caricaturas com mais intensidade.

Pode-se ainda argumentar que se o Estado não comemorar a Democracia e a Liberdade essas ideias morrem. Mas já vimos que é exactamente ao contrário. Elas morrem precisamente se forem comemoradas pelo Estado e se os partidos totalitários com representação parlamentar conseguirem usar o Estado para impor a sua visão deturpada da Democracia e da Liberdade.

E se a Democracia e a Liberdade são assim tão boas então não há que temer pelo futuro. A não ser que se desconfie da Democracia e da Liberdade. A não ser que se desconfie da capacidades dos indivíduos de usar a sua liberdade para descobrir por si mesmos que a Democracia e a Liberdade são coisas boas dignas de ser comemoradas. A não ser que se acredite que a Democracia e a Liberdade não seriam celebradas espontaneamente pelos indivíduos que vivem em Democracia e Liberdade. Mas se o dia das bruxas é hoje celebrado de forma espontânea porque é que o 25 de Abril não haveria de ser?