O Rui A. lançou aqui um interessantíssimo desafio aos liberais. Tomando posição, embora declarando não querer tomar, por ora, posição, o Rui afirma «que as consequências do debate sobre a eutanásia serão, para os nossos liberais (e já não falo da direita), ainda mais devastadoras que o foram no caso do aborto», já que «a discussão poderá (...) centrar-se em questões de ordem religiosa, nomeadamente sobre a origem da vida e o direito de lhe pôr termo».
Se o Rui coloca a questão num plano estritamente filosófico, tendo a concordar com ele, a propósito das devastadoras consequências do debate. Mas não no plano jurídico, agora quanto à segunda citação. Se se concluir que a actual proibição legal da eutanásia assenta, exclusiva ou essencialmente, numa determinada concepção religiosa da vida e do direito (ou da sua ausência) de lhe pôr termo, pouco mais haverá para debater. A fé de cada um não pode justificar a imposição de deveres (ou de proibições) a quem a não partilha, pelo menos nos casos em que o único afectado pelo exercício de tal direito (ou liberdade) seja o seu próprio titular.###
A meu ver, o debate passará sobretudo por questões laterais ao reconhecimento do direito a pôr termo a vida: qual o grau de colaboração de terceiros que deve admitir-se? E que terceiros podem colaborar (pessoal médico qualificado/outros)? como deve aferir-se o grau de livre expressão da vontade de quem quer pôr termo à vida? qual a relevância que pode dar-se às expressões prévias de vontade (imagine-se alguém que declara querer pôr termo à vida se e quando ficar em estado vegetativo ou for afectado por certa maleita que o impeça de declarar a sua vontade)? Pode eutanasiar-se alguém com base na sua vontade hipotética? etc.
Nesta discussão, alguns dos pareceres do CNECV relacionados com o tema podem ter algum interesse, nomeadamente este.