Desafiou-me o Jorge, numa daquelas cadeias do “toma lá e passa a cinco”, a contar-lhe como se brincava antes das Playstations. Ora, brincava-se com a Dreamcast. E antes, com a Saturn, a Megadrive e o Spectrum. Ou ainda, muito antes, com a TV Brinca. Ou então, quando havia trocos, íamos às casas de flippers. E até houve uma altura em que fazíamos corridas de automóveis numa maquineta da Rua Passos Manuel, 500 metros abaixo da Joaninha.###
Algarve, anos 70. Nunca jogava ao pião. A minha falta de jeito envergonhava-me. O desgraçado do bicho raramente respeitava as minhas tentativas de conseguir uma rotação perfeita. A falta de jeito era tão notória que, uma vez, em que acertei milagrosamente em cheio no pião do Canelas, foi notícia do dia, na turma. Para fugir à humilhação dos maus resultados, preferia o berlinde, desporto em que conseguia manter alguma competitividade. Um outro jogo em que não era muito mau era na Pedra. Moldava-se um montinho de terra junto a um muro e cada jogador enterrava um cromo. Depois atirávamos pedras a 5 metros de distância, contra a terra. Cada cromo que ficasse à vista ficava para o atirador da pedrada. É por isso que em algumas colecções da época, há cromos que parecem saídos de uma luta na lama.
Uma actividade desportiva de primeira água era o campeonato de pulgas, na carpete da sala. O campo tinha um metro e meio, no máximo. As duas partes de uma caixa de sapatos serviam de balizas. Dois livros do Círculo de Leitores, tamanho estandardizado, faziam de guarda-redes. Uma pulga pequena, amarela, era a bola. E depois, um de cada vez, com uma pulga maiorzinha, tentávamos meter a “bola” na baliza adversária. A minha ‘pulga grande’ era sempre verde, a do Zé, o meu grande adversário e presença constante nas finais, era sempre vermelha. Um só clique de cada vez, depois é o outro. Se a pulga saia do campo, o adversário tinha direito a dois toques. Podia ajustar-se a posição do guarda-redes, mas sempre a tocar na linha de baliza. Grandes golos, grandes jogos, grandes campeonatos. Inesquecíveis aqueles momentos em que um ‘clique’ bem aplicado fazia a “pulga” voar um metro de distância, raspar a lombada de um qualquer best-seller do Konsalik e entrar na tampa de uma caixa de sapatilhas brancas da Sanjo.
Também houve uma fase de jogos de tabuleiro. Monopólio, Cluedo, Bolsa. Mais tarde o Risco e esse grande Diplomacia que se arrastava por 2, 3 dias, com encontros no café para negociar estratégias e encontrar a melhor maneira para trair os nossos companheiros na altura certa, quando a retaliação já não era possível.
E depois, quando o sol de Inverno estava a jeito, tínhamos as jogatinas de bola. Sempre que possível na Rua do Coelho, que era largueirona e só passavam 3 carros por cada Inverno. Os jogos começavam às 3, intervalo às 5 para lanchar, segunda parte até já não se ver a bola na escuridão. 35-17, 20-6, 40-20, eram resultados normais.
Isto era de Inverno. Quando a voz começava a mudar e o Verão punha fim aos tempos de escola, o desporto favorito era outro. As inglesas. Inglesas era o nome que dávamos às turistas de terna idade, fossem elas alemãs, holandesas, americanas, espanholas ou meninas da Amadora. Com maior ou menor sucesso, durante 3 meses, praticávamos diariamente. Ou pelo menos, tentávamos. Também neste desporto havia um Cristiano Ronaldo. Era o Miguel. O Miguel brilhava. Conseguia marcar, quase todos os dias, sem esforço. Diziam as miúdas que ele era mais giro que o Elvis. O Miguel chegava, olhava em volta, escolhia, sentava-se ao lado das inglesas e sorria. Pimba, mais uma. Para os outros, dava mais trabalho, mas lá pelos Algarves a oferta era tão grande, que, felizmente, havia sempre sobras suficientes para os mais inaptos.
Nesses anos, antes do encolhimento dos dias, o tempo chegava para tudo. É do tempo que tenho mais saudades.