10.3.04

As junk bonds do futebol

As famigeradas junk bonds (obrigações de lixo, se traduzido à letra) que nos anos 80 celebrizaram a Drexel Lambert e o seu principal guru, Mike Milken e depois o levaram à prisão, chegaram agora a Portugal através do futebol.

As junk bonds são empréstimos obrigacionistas emitidos por empresas com elevado risco de solvabilidade e que, por esse motivo, têm de pagar juros anormalmente elevados, constituindo estes o chamariz para a boa colocação dos títulos. A diferença fundamental das nossas junk bonds face às americanas, é que estas destinam-se em regra a financiar projectos nascentes e em Portugal visam o financiamento de SADs decadentes. Nos Estados Unidos permitiram o desenvolvimento de novos sectores da economia, em Portugal cobrem os défices de gestões ruinosas.

O Sporting foi a primeira SAD a emitir, tendo colocado em 2002 quase 12 milhões de euros em obrigações a 3 anos, com uma taxa de cupão de 6,45%; em Dezembro do ano passado foi a vez do Porto, que colocou 11,5 milhões de euros, com idêntico prazo, à taxa de 5,35%; até ao dia 26 do corrente mês, decorre a subscrição de uma emissão do Benfica, que pretende colocar 15 milhões de euros, também a 3 anos, à taxa de 5%. Qualquer destas emissões foi (será) colocada através de oferta pública de subscrição destinada aos investidores em geral e tem como objecto imediato a amortização de passivo bancário por parte das SADs. Trata-se, no fundo, de uma forma de a banca transferir o risco de financiamento a estas entidades, pulverizando-o por um número alargado de aforradores.

Existe porém o risco de incobrabilidade e os preços em bolsa das obrigações já o reflectem. Apesar de terem taxas nominais claramente acima das taxas vigentes no mercado, as obrigações quer do Sporting, quer do Porto, vêm cotando a desconto. Isso faz com que a yield dessas mesmas obrigações – taxa anual obtida por um investidor que adquira as obrigações em bolsa aos preços correntes e as mantenha até ao seu reembolso, pressupondo a capitalização dos cupões – seja claramente superior às taxas nominais. Quem hoje comprar obrigações do Sporting, com um desconto de quase 5% face ao valor nominal, obterá uma yield no vencimento da ordem dos 10,6%; as obrigações do Porto (preços com desconto de 2%), apresentam um retorno mais modesto - 6,2% - mas mesmo assim muito atractivo. A título comparativo, refira-se que as taxas de um investimento sem risco (obrigações de dívida pública) para maturidades semelhantes (2 e 3 anos), oscilam entre os 2,1% e os 2,4%.

Ou seja, os investidores estão a exigir um prémio de risco de mais de 8% nas obrigações do Sporting e quase 4% nas do Porto. Será curioso ver a yield das obrigações do Benfica quando forem admitidas à cotação. Admito que venha a ter alguma dificuldade em colocar a totalidade dos 15 milhões, tendo em conta a menor taxa nominal face à das outras duas SADs e o risco consideravelmente superior (a eventual eliminação do Inter poderia dar uma ajuda preciosa). Estimo que o Benfica venha a cotar com um desconto entre os 15% e os 20%, o que atirará a yield para valores entre os 11,5% e os 14%.

Por paradoxal que pareça, considero que pode ser um excelente investimento adquirir obrigações do Benfica, não na corrente subscrição, mas em mercado secundário quando estiverem listadas na Bolsa. Embora esta vetusta instituição há muito tenha deixado de ser pessoa de bem, a experiência diz-nos que os poderes públicos jamais permitirão a sua insolvência e, mais uma vez, “obrigarão” os contribuintes a vir em auxílio dos tais 6 milhões...