Acabei de ver na Sic-Notícias o último episódio da troca de galhardetes entre Paulo Portas e Mário Soares. A questão, em si mesma, há muito que ultrapassou os limites do ridículo. Mas numa atmosfera politiqueira de um cinzento profundo, confesso que, às vezes, sabe bem ouvir estes despiques apesar do constante resvalamento para o caricato.
Penso que Paulo Portas deve andar a ver demasiados documentários do canal Odisseia, daqueles que nos mostram imagens de alcateias de lobos em que um jovem macho desafia e tenta expulsar o velho macho dominante. Nem sempre os desafiadores são bem sucedidos e, nessa altura, os locutores informam que o jovem macho se "precipitou" e será obrigado a "esperar pela sua vez".
Julgo que hoje a resposta de Soares teve o condão de fazer lembrar o político de há vinte e tal anos. Com uma oportunidade e graça que se supunham adormecidas, o velho político pôs Portas no seu lugar numa táctica de "golpe de judo", i. é aproveitando a força dos argumentos do adversário.
Quando Paulo Portas desafiou Mário Soares para um debate público referiu-se aos que se desenrolaram no antigamente, «à velha maneira» - usufruindo dessa embalagem, Soares recordou alguns desses debates e exercitou uma cruel comparação do seu actual antagonista com os seus adversários do passado: Cunhal, Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Mota Pinto, Lucas Pires, entre outros de enorme gabarito político e intelectual, concluindo pacatamente que Portas «ainda não tem obra» para se lhes assemelhar...
E, nesse pressuposto, Soares investiu com naturalidade contra o velho calcanhar de Aquiles de Portas: a credibilidade.
De seguida, telefonicamente (o que resulta em desvantagem televisiva óbvia), Paulo Portas - sem conseguir disfarçar - sentiu-se com a resposta de Soares. E faltou nível à sua réplica de ocasião.
É que se pode não gostar de Mário Soares por muitas coisas e é possível explorar as suas fraquezas de muitas formas - mas imputar «medo» e «receio» («toca e foge») ao homem que liderou a batalha contra o gonçalvismo, possuídor de um passado de muitas dezenas de anos de luta política por vezes em situações bastante desfavoráveis, surge aos olhos do espectador não "engajado" como uma asserção excessivamente deslocada e desproporcionada. Principalmente vindo de quem vem.
Portas deixou passar nesta última polémica, que ele próprio criou, uma imagem de um certo arrivismo, uma tentação irresistível de se pôr "em bicos dos pés", de vertigem incontrolável em alcançar um patamar superior.
O pior é que aqueles que já lá estão não lhe reconhecem idoneidade para lhes fazer companhia.