O recente debate no «Blasfémias» em torno do Estado, da sua autoridade própria ou do autoritarismo que lhe pode ser emprestado por quem circunstancialmente o dirige, suscita um outro problema bem mais importante do ponto de vista liberal: o de saber como se pode oferecer resistência a um poder, o poder do Estado, que é, por natureza e definição, como lembrava Bertrand de Jouvenel, sempre expansivo.
Uma das constatações mais preocupantes da nossa época é a de que os instrumentos mais recentes de individualização social estão, ao contrário do que seria legítimo há umas décadas supor, a enfraquecer a soberania individual e a tornar o Estado mais forte. Esta é, se bem interpreto, a grande preocupação de alguns liberais, como Pedro Arroja, colocados perante a aparente contradição entre a individualização social crescente, e a perda de liberdade individual em favor do reforço do Estado.###
Em bom rigor, nada disto é exactamente novo. Orwell, no seu «1984», previu-o, ou melhor, aceitou como tendência provável o reforço do «Big Brother» pelo domínio e pela manipulação de uma tecnologia aparentemente benéfica para os homens. Outros autores de ficção científica, entre eles o já falecido liberal Robert Heilein, têm tratado reiteradamente o tema em muitas das suas obras. O problema é, pois, real e facilmente perceptível. Deve ter, contudo, uma outra ponderação, pelo menos para os liberais, que não seja pedir ao Estado que ele mesmo limite o seu próprio poder e o torne sensato e civilizado. Um liberal clássico, a meu ver, nunca admitirá semelhante possibilidade.
A questão é que entre a ideia de indivíduo e Estado existe, ou deve existir, uma outra: a de comunidade. Tratando-se, naturalmente, de uma ideia difícil de definir, sempre poderemos dizer que ela pode ser entendida como a ordenação natural, isto é, não política, dos indivíduos em sociedade. Obviamente que só em comunidades fortes, constituídas por indivíduos livres e com uma esfera de direitos robusta, poderemos encontrar Estados civilizados, ou seja, de poder contido. Como verdadeiros vasos comunicantes que são, quando o poder de uma dessas duas partes diminui, transfere-se para a outra. O poder, isto é, a faculdade de decidir e escolher, não paira no vácuo, não desaparece, nem encolhe: transfigura-se e muda de mãos; ou pertence aos indivíduos e às suas formas comunitárias de organização, ou pertence ao Estado, isto é, à forma política de organização dessa mesma comunidade.
Deste modo, numa época que pôs à disposição dos indivíduos – e do Estado, uma imensa tecnologia de informação e de comunicação, que lhes permite estreitar distâncias, mas, também, invadir privacidades, o que parece ser tarefa essencial para o reforço das liberdades e para a contenção do Estado é exactamente a ideia de comunidade. O seu fortalecimento só será possível se feito em torno de um conjunto de ideias, princípios e valores que obtenham um consenso relativamente generalizado entre os cidadãos. Como encontrá-los e como os tornar convincentes? Essa é, em minha opinião, a tarefa que cabe aos liberais e, sobretudo, a quem queira imaginar um programa político liberal para as próximas décadas.
Uma das constatações mais preocupantes da nossa época é a de que os instrumentos mais recentes de individualização social estão, ao contrário do que seria legítimo há umas décadas supor, a enfraquecer a soberania individual e a tornar o Estado mais forte. Esta é, se bem interpreto, a grande preocupação de alguns liberais, como Pedro Arroja, colocados perante a aparente contradição entre a individualização social crescente, e a perda de liberdade individual em favor do reforço do Estado.###
Em bom rigor, nada disto é exactamente novo. Orwell, no seu «1984», previu-o, ou melhor, aceitou como tendência provável o reforço do «Big Brother» pelo domínio e pela manipulação de uma tecnologia aparentemente benéfica para os homens. Outros autores de ficção científica, entre eles o já falecido liberal Robert Heilein, têm tratado reiteradamente o tema em muitas das suas obras. O problema é, pois, real e facilmente perceptível. Deve ter, contudo, uma outra ponderação, pelo menos para os liberais, que não seja pedir ao Estado que ele mesmo limite o seu próprio poder e o torne sensato e civilizado. Um liberal clássico, a meu ver, nunca admitirá semelhante possibilidade.
A questão é que entre a ideia de indivíduo e Estado existe, ou deve existir, uma outra: a de comunidade. Tratando-se, naturalmente, de uma ideia difícil de definir, sempre poderemos dizer que ela pode ser entendida como a ordenação natural, isto é, não política, dos indivíduos em sociedade. Obviamente que só em comunidades fortes, constituídas por indivíduos livres e com uma esfera de direitos robusta, poderemos encontrar Estados civilizados, ou seja, de poder contido. Como verdadeiros vasos comunicantes que são, quando o poder de uma dessas duas partes diminui, transfere-se para a outra. O poder, isto é, a faculdade de decidir e escolher, não paira no vácuo, não desaparece, nem encolhe: transfigura-se e muda de mãos; ou pertence aos indivíduos e às suas formas comunitárias de organização, ou pertence ao Estado, isto é, à forma política de organização dessa mesma comunidade.
Deste modo, numa época que pôs à disposição dos indivíduos – e do Estado, uma imensa tecnologia de informação e de comunicação, que lhes permite estreitar distâncias, mas, também, invadir privacidades, o que parece ser tarefa essencial para o reforço das liberdades e para a contenção do Estado é exactamente a ideia de comunidade. O seu fortalecimento só será possível se feito em torno de um conjunto de ideias, princípios e valores que obtenham um consenso relativamente generalizado entre os cidadãos. Como encontrá-los e como os tornar convincentes? Essa é, em minha opinião, a tarefa que cabe aos liberais e, sobretudo, a quem queira imaginar um programa político liberal para as próximas décadas.