26.3.07

liberdade individual


Para quem algum dia partiu de um país de cultura predominantemente católica para ir viver num outro de cultura predominantemente protestante, conhece a admiração inicial que sentiu pelo ordem prevalecente no seu país adoptivo: todos os cidadãos atravessam a rua na passadeira e somente quando o sinal está verde; todos conduzem dentro da velocidade limite; todos têm a mesma atitude no emprego; todos se cumprimentam da mesma maneira e com as mesmas palavras; ninguém bebe ou se diverte fora dos momentos e dos dias que o calendário prescreve para tal; todos chegam ao restaurante à hora marcada; a comida tem o mesmo sabor em todos os restaurantes.###
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Todos os actos sociais que um homem tem de desempenhar desde que sai de manhã para o emprego até que volta à noite a casa parece que foram previstos e estudados, e uma regra foi prescrita para o desempenho de cada um deles - e todos os cidadãos seguem invariavelmente cada uma das regras. Existe como que uma autoridade invisível que estandardiza os comportamentos e os prescreve e que torna todos os cidadãos iguais.
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Porém, para o homem católico vivendo num país protestante, passada a fase inicial de admiração, vai instalar-se nele, com o decorrer do tempo, um sentimento que é um misto de frustração, inibição, irritação, desencanto, repressão e, finalmente, a tristeza. Falta-lhe alguma coisa que ele não é capaz de descrever muito bem. No íntimo, ele sente que lhe falta liberdade, mas não ousa dizê-lo porque sempre lhe transmitiram que a liberdade existe é nos países protestantes do norte da Europa e da América do Norte, e ele vive agora num deles.
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Mas aquilo que lhe falta é, na realidade, isso: liberdade - aquela liberdade individual alargada, que lhe permite exprimir toda a sua espontaneidade, e que só existe nos países de tradição católica.
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Na tradição protestante cada homem é uma autoridade livre. Num país desta tradição, cada homem vai, então, constranger os outros, e vai ser constrangido pelos outros, para fazer as coisas da vida em sociedade de uma maneira que, no limite, seja aceitável para todos. Uma vez chegados a este comportamento padronizado, todos os cidadãos o aceitam e o fazem respeitar, não havendo lugar a quaisquer desvios, menos ainda a trangressões.
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Os comportamentos padronizados assim estabelecidos acabam por ser impostos a cada cidadão, e obedecidos por ele, porque à volta dele está sempre uma autoridade que constantemente lhe lembra e, em ultima instância lhe impõe, como deve comportar-se - o seu vizinho, o seu colega de trabalho, o transeunte que por ele passa na rua, o seu conjuge, até os seus filhos.
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Esta é uma autoridade impessoal - uma autoridade que é exercida por pessoas, mas que não provém de nenhuma pessoa em particular. Esta é uma autoridade omnipresente que se exerce permanentemente sobre cada homem, uma autoridade que a cada momento o vigia, o faz olhar sobre o ombro, o inibe e o reprime. Para o homem católico, esta forma de autoridade impessoal e permanente, que o segue por todo o lado e em cada passo que dá, acaba por se tornar insuportável.
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A razão é que o homem católico está habituado a uma forma diferente de autoridade, uma autoridade que é pessoalizada e centralizada - e, portanto, uma autoridade que está distante. Longe da autoridade, o homem católico pode exprimir livremente toda a sua individualidade - ele pode inventar, fazer a seu bel-prazer, improvisar, divertir-se, transgredir até, mesmo quando todos os outros homens decidem fazer o contrário. É esta esfera alargada de liberdade individual que lhe permite levar a vida como quer, fazer diferente dos outros e, se lhe apetecer, fazer até ao contrário dos outros, que ele sente a falta num país de tradição protestante.
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O homem católico é um sujeito, porque sobre ele paira uma autoridade pessoalizada. O homem protestante é, pelo contrário, ele próprio uma autoridade. Porém, o homem que é um sujeito católico possui uma esfera de liberdade individual que é consideravemente mais ampla do que a do homem que é uma autoridade protestante. Por isso, em termos de liberdade individual, eu estou persuadido que os povos de tradição predominantemente católica do sul da Europa e da América Latina não têm nada a aprender com os povos de tradição predominantemente protestante do norte da Europa e da América do Norte. Antes pelo contrário.