5.3.04

Estaline e a Nova Esquerda


Acho muita graça ao esforço atormentado da Nova Esquerda que faz questão de se demarcar da figura de José Estaline. Sobretudo pela insuficiência endémica dessa tentativa que mais se assemelha a um branqueamento angustiado.

Não me refiro aos socialistas que sempre pugnaram contra as ditaduras - mas, historicamente, são poucos.
Falo dos marxistas-leninistas e seus herdeiros, reconhecidos ou não, que assumiram aquele “caminho para o socialismo” e que pretendiam a construção de um “homem novo”.
Os que estavam de acordo com os fins e que nunca rejeitaram a qualidade dos meios que os regimes totalitários lhes colocaram à disposição para os atingirem.

Ninguém, seriamente, poderá hoje negar que Estaline foi um continuador legítimo e concludente das ideias e das práticas de Lenine. Desde o esboroar da URSS que milhares de documentos o comprovam e centenas de estudos o afirmam irrefutavelmente (saliento apenas um dos primeiros a fazê-lo – Dmitri Volkogonov, “Lenin, Life and Legacy”, HarperCollins, Londres, 1994).

Nunca poderá colher a tese que sustenta que aquilo que Estaline fez não correspondia à perfeição teórica do marxismo leninismo – foi Estaline quem construiu esse modelo numa sociedade concreta. E em todos os momentos da sua tentativa, fez um esforço consistente para seguir fielmente os dogmas fundamentais da sua ideologia.

A piedosa fábula que asseverava uma putativa “traição” de Estaline aos ideais da revolução russa e do socialismo leninista não tem, actualmente, qualquer hipótese de sustentação. Trata-se de uma alegação que remonta às primeiras dissidências trotskistas e que se sedimentou com a viragem na táctica política soviética protagonizada por Khrushev.

Estaline foi, de facto, quem tentou implementar na realidade os ensinamentos da teoria marxista-leninista. No planeamento económico, na visão global da sociedade, no modelo das explorações agrícolas, na organização industrial. Estaline seguiu de perto as políticas iniciadas por Lenine quanto à ferocíssima repressão das múltiplas etnias que existiam no espaço geográfico da União Soviética. Foi, também, um excelente aluno de seu mestre no esmagamento paranóico de tudo o que se assemelhasse a oposição à sua pessoa.

Estaline e Lenine tinham a mesma visão do Homem e comungavam do mesmo desprezo pelos mais elementares direitos das pessoas.

Estaline terá sido o líder do regime político que mais pessoas assassinou em toda a história da humanidade. Ultrapassando de longe exemplos monstruosos como o nazismo de Hitler e o outro de um seu fiel sicário ideológico, Phol Phot.

Lenine apenas não chegou a atingir os máximos de horror de Estaline porque morreu antes de o conseguir. Tentar encontrar as discrepâncias entre a obra de Estaline e as minudências dogmáticas do marxismo-leninismo é um comportamento inconsequente e historicamente inútil.

Estaline é Lenine com trinta e tal anos de poder absoluto. Estaline é o marxismo-leninismo posto em prática do modo mais “perfeito” que lhe foi possível.

O falhanço daquele regime e a subsequente demonstração da abominação das suas personagens são a confirmação dos fundamentos erróneos e anti-humanos dos pressupostos ideológicos em que assentavam.

Faz hoje 51 anos que morreu um tirano, i. é um homem com uma ideia dramaticamente iludida mas armado com um aparelho estatal fortíssimo, com capacidade e vontade de coagir e sem quaisquer restrições jurídicas ou éticas.

Foi o princípio do fim daquela ditadura e da ideologia em que se baseava.

A Nova Esquerda tem este vício originário no seu código genético. Livrar-se dele pressupõe abandonar o anacronismo que é o socialismo.

Sem mais desculpas de mau pagador.