O que está sobretudo em causa na discussão que corre, é pretender conciliar a dimensão material com a dimensão moral e ética. Hoje, está criada uma mentalidade facilitista, que é incompatível com a assumpção do custo de opções individuais que impliquem responsabilidades a longo prazo. O individualismo na opção pretende manter-se (“na barriga mandamos nós!”), embora na realidade esta seja muitas vezes induzida e até forçada por outrém, como eu já aqui disse. Pretende-se ainda transferir para a colectividade, via SNS, os custos imediatos e materiais da mesma opção, o que torna desde logo incompatível a sua manutenção na estrita esfera individual - a este título, o CL foi incisivo e claro q.b.. Mas o ilícito persiste. Daí que, ao alívio inicial, sobreviverá inevitavelmente a angústia, o pesadelo permanente, o vazio existencial. Estas questões, puramente do foro psicológico, pretendem colmatar-se pela via legislativa, julgando-se suficiente a pura despenalização para aliviar as consciências.
O embrião, o feto ou a criança, raramente vêm à baila e é nítida a incomodidade quando deles se fala. É curioso ainda o pouco relevo que se dá à problemática da adopção e às enormidades burocráticas que para o efeito é necessário transpôr. Há quem defenda que seria uma forma de minorar a ocorrência de abortos, mas confesso o meu cepticismo. Talvez permitisse reduzir a chaga da pedofilia criando condições para a extinção de Casas Pias e afins, mas acho muito pouco provável que tivesse efeitos significativos na redução dos abortos. Em três casos que conheço de mulheres que, ao fim de mais de 3 anos, conseguiram finalmente obter a almejada adopção, as crianças eram sempre filhas de prostitutas. É abusivo generalizar mas, pelo menos as mães daquelas crianças, que necessitam de barriga disponível para a sua actividade diária, dão-nos a este respeito uma lição de humanidade. Não acredito porém que a grande maioria de mulheres com gravidezes indesejadas, opte pela “incomodidade” de carregar a criança durante 9 meses para depois a oferecer para adopção.
Como não acredito igualmente que a despenalização faça baixar o número de abortos, nem é essa a intenção dos seus defensores. O negócio das parteiras ou das clínicas privadas, nacionais ou espanholas, continuará florescente porque, mesmo que despenalizado, o aborto continuará a constituir uma prática socialmente reprovável. As próprias mulheres que a ele se sujeitam têm consciência do ilícito mas, como escrevi ontem, quando se apercebem da dimensão moral do acto, já é tarde. Gostemos ou não a cultura, as crenças, os valores, as convenções sociais se quiserem, são o que são, têm a ver com as pessoas e não se extinguem por decreto.