in «O Tripeiro», 1 de Março de 1926, 3ª série, nº5 (113)
«Por achar interessante vamos descrever como foi organizado nesta cidade o «Foot-Ball Club do Porto», o brilhante grupo desportivo que tanto tem honrado o nome da nossa terra.
Sentimos um grande contentamento em fazer esta descrição, não só pela honra que temos de ser um dos instaladores d’aquelle Club, como também por evocarmos uma época saudosa da nossa descuidada juventude.
Existia, há trinta e tal annos no Porto O Grupo do Destino, composto de uma rapaziada alegre, ruidosa, entusiasta, buliçosa, cuja missão era divertir-se, após as horas de trabalho. Não havia local onde bem se comesse e melhor se bebesse que O Grupo do Destino não conhecesse!
Rima e era verdade! Aquilo eram bons estomagos e bons gastronomos!
Partidas, piadas, blagues, bom humor, tal era o programa do Grupo do Destino.
As suas festas marcavam pela originalidade e decorriam sempre cheias de grande entusiasmo!
Com que recordações lembramos essa mocidade cheia de alegria e vivacidade!
Um dia o presidente do Grupo, isto pelas alturas de 1904 ou 1905, o saudoso José Monteiro da Costa, foi com seu pae visitar a Hespanha, França e Inglaterra. Nas constantes epistolas que nos enviava, descrevia com muito entusiasmo um jogo de bola a que tinha assistido em Inglaterra e que logo que chegasse ao Porto nos daria algumas explicações a fim de também o jogarmos!
Annunciada a sua vinda, um grupo de amigos sinceros, pois Monteiro da Costa de tudo era merecedor, foi esperal-o a Ermezinde. Foi uma alegria doida a sua chegada. Monteiro da Costa até ao Porto descreveu rapidamente as impressões da viagem, tendo frases, as mais entusiasticas, para o tal jogo da bola que muito o interessava e que era nem mais nem menos que o foot-ball.
Ouvil-o e resolver que O Grupo do Destino organizasse um grupo de foot-ball foi obra de um momento.
Os presentes já sabiam que com o que fosse resolvido todos concordavam; a divisa do Grupo era um por todos e todo por um.
Passados dias, realizou-se a reunião magna de todos os socios para tratar do importante asumpto - a instalação do grupo de foot-ball. Com as costumadas piadas, facecias, blagues, etc., apareceram de entrada dois obices a resolver: - 1º o desconhecimento completo, por parte de todos os sócios, de tal jogo; 2º, a falta de dinheiro, pois, com toda a sinceridade o dizemos, a maioria dos socios eram alegrêtes mas .....pobrêtes!
Como se sabe, no Porto, o foot-ball era quasi desconhecido. Somente existiam dois clubes onde se fazia esse jogo, que eram o Oporto Cricket e o Boavista Foot-Ball, aquele composto pela rapaziada das colónias ingleza e alemã, quasi todos empregados nas diversas casas commerciantes estrangeiras d’esta cidade, e este pelo pessoal da fábrica Graham, à Avenida da Boavista.
Estes clubes várias vezes se encontraram em desafios nos seus campos de jogos, mas a assistencia era restrita ás familias dos socios, razão porque era pouco conhecido entre nós.
Havia alguns portuenses, poucos, que conheciam o foot-ball; eram aquelles rapazes que tinham estudado nos colegios de Inglaterra e Belgica, onde aquelle jogo era obrigatorio.
Os rapazes do Grupo do Destino desconheciam por completo o jogo de que se tratava, mas isso não os intimidou. Resolveram unanimemente organisar n’esta cidade «o Foot-Ball Club do Porto». Estava resolvido o 1º obice, pois diziam: dar pontapés na bola é facílimo!....
O que era desconhecer a technica do foot-ball!.....
Quanto ao 2º obice - a falta de dinheiro – também tudo se conseguiu. O Grupo do Destino tinha resolvido apresentar no futuro cortejo, promovido pelo Club dos Fenianos, um carro carnavalesco e para esse effeito todos os seus socios pagavam um quota mensal. A assembleia magna resolveu que as quotas que se tinham pago para o carro carnavalesco fossem gastas com a instalação do «Foot-Ball Club do Porto» e assim os dois obices apresentados no principio da reunião desapareceram.
O Grupo do Destino jamais deixava de levar a effeito aquillo que pensasse fazer!
Foi logo nomeada uma commissão administrativa para dirigir os negócios do Club, ficando na presidência José Monteiro da Costa e como secretário o auctor d’estas desataviadas linhas.
N’essa occasião foi também escolhida a côr da equipe, e, caso curioso, apesar da maioria dos socios installadores ser de republicanos - alguns até comprometidos nas conspirações - a escolha recaiu no azul e branco, pois eram as cores da bandeira nacional!
Foi alugado um bocado de terreno da rua Anthero de Quental, onde os socios installadores se iam treinando no jogo.
Um dia appareceu no Club um italiano – Catulo Gadda – empregado na Fabrica Mariani, ás Devezas, disposto a jogar. Foi recebido de braços abertos, pois era alguem que conhecia o foot-ball. Era um explendido defeza pelo pontapé forte que possuia.
Já tinhamos dois «onze», mas pouco faziamos. Pois se não tinhamos nascido para aquilo!....
Certa tarde andavamos no campo treinando-nos e alguem nos comunica que um cavalheiro desejava falar-nos. Fomos ter com esse cavalheiro e reconhecemos a vontade que tinha de nos ver jogar. Mostramos-lhe o pouco conhecimento que tinhamos de foot-ball e passados minutos o tal cavalheiro concordava que realmente ainda estavamos um pouco atrazados na tecnica do foot-ball.... Mr. Cassigne, ilustre subdito francez, muito conhecido n’esta cidade e que era o cavalheiro que desejou ver jogar, foi muito amavel na apreciação que fez ao nosso jogo, pois não estavamos atrazados na tecnica do jogo, estavamos atrazadisimos!....
Conhecendo a boa vontade de Mr. Cassaigne, em prestar-nos os seus serviços, pedimos-lhe para tomar a direcção tecnica do foot-ball, a que acedeu com todo o entusiasmo. Não fomos só nós os instruidos. Mr. Cassaigne, com toda a solicitude, instruiu também os rapazes do Collegio da Boavista, ao tempo pertencente ao fallecido professor João Diogo, e instruiu os rapazes da Escola de Allunos Marinheiros, que se encontravam a bordo da Corveta Estephania.
Entrou para socio o conhecido desportista Romualdo Torres, que immediatamente propoz também, entre outros, Antonio Calém, Antunes Lemos, António Sá, Eduardo Villares, Nuno Salgueiro e António Campos que conheciam muito bem o foot-ball.
E assim, com todos estes elementos, já se via aos domingos o campo – já agora com o tamanho que a regras indicavam – todo cheio de uma afluencia que ali acorria para ver com todo o interesse as várias fases do foot-ball. Romualdo Torres, sempre disposto ao levantamento do Club, organizava constantes desafios com os dois clubes que existiam, o Oporto Cricket e o Boavista e assim o »Foot-Ball do Porto» iniciou a sua carreira auspiciosa.
Dos installadores ainda são vivos, parecendo-nos, porém que nenhum é socio, Amadeu Maia, jornalista; Candido Pinto da Mota e Manuel Luiz da Silva, despachantes oficiaes; Joaquim Pinto Rodrigues Freitas e Alvaro Osorio da Silva Cardoso, industriaes; Antonio Moreira da Silva, Joaquim Antonio Mendes Correia e Antonio Baptista Junior, empregados comerciaes; Manuel Sacramento, armador, Joaquim Silva, negociante e o auctor d’estas linhas.
E aqui está como um club organizado por rapazes que ignoravam o que era o foot-ball tanta propaganda teem feito em prol do Foot-Ball!.....».
Nota minha: respeitou-se a grafia original. O autor do texto, Joaquim Pereira da Silva, foi o 1º secretário do clube e seu presidente em 1912-13. Era comerciante na rua dos Caldeireiros, nº97.