31.3.07

acima de tudo, protecção


A autoridade parental - sem interessar distinguir aqui entre a autoridade da mãe e a do pai - é a primeira forma de autoridade que qualquer ser humano conhece na vida, e a mais duradoura - dura até à morte deles. É a mais altruísta de todas as formas de autoridade terrena e, a confiar em Becker, é a mais importante e a mais decisiva forma de autoridade que se exerce sobre a vida de um qualquer ser humano.###
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Esta autoridade, que os filhos continuam a respeitar mesmo depois de eles próprios já terem chegado à idade adulta - e que passam a admirar, talvez, sobretudo a partir daí - os pais conquistaram-na, aos olhos dos seus filhos, por uma vida de boas obras - uma vida de boas obras de que os filhos foram os principais beneficiários, e daí o seu altruísmo.
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Porque a autoridade parental é a mais importante e duradoura de todas as autoridades que se exercem sobre um qualquer ser humano, nalguns casos, a mais extrema, eu escolhi-a propositadamente para procurar derivar a partir dela o significado essencial da ideia de autoridade. Porque se esta forma de autoridade não fôr capaz de revelar aquilo que a ideia de autoridade significa, e o benefício - se algum - que a autoridade possui para a humanidade, então, dificilmente alguma outra forma de autoridade conseguirá faze-lo.
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A função de pai ou mãe é uma função para a vida e a autoridade parental, na mesma medida da autoridade papal, só se extingue com a sua morte. E, na realidade, até no momento da morte, os pais - que são, na opinião de Becker, o homem e a mulher mais altruístas que qualquer ser humano jamais conhecerá na vida - têm uma última lição para ensinar aos filhos: o significado essencial da ideia de autoridade.
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Se o filho é uma criança ou um adolescente, a morte do pai ou da mãe vai-lhe ensinar essa lição numa fase da sua vida em que a lição assume o carácter de uma enorme crueldade. Mas o filho ou a filha podem já ser adultos, terem 40, 50, ou até 60 anos, podem eles próprios já serem pais ou avós, que a lição estará lá nesse dia à sua espera para lhes ser ensinada. É uma lição que não se aprende nos livros, é uma lição que só o seu pai e a sua mãe lhe poderiam ensinar, como lhe ensinaram muitas outras desde que nasceu.
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E qual é a lição, o que sente um filho - mesmo já adulto - quando pela primeira vez lhe morre um dos pais, o pai ou a mãe? Um misto de sentimentos? Não. Agradecimento por tudo aquilo que o pai ou a mãe fez por ele ao longo da vida, as refeições sem número, o tratamento nas doenças, as iguarias, as semanadas, as idas ao cinema, nalguns casos até o primeiro automóvel? Também não. O ressentimento pelas proibições, pelos gelados não comidos, os banhos não tomados na praia em hora de digestão, as idas proibidas à discoteca durante a adolescência? Não. A revolta pelas penalizações, pelos tabefes, pelos castigos, às vezes excessivos ou injustos e que ele próprio jurou na altura que nunca iria esquecer na vida? Também não.
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Não. O filho sente-se desprotegido. É como se tivesse ficado só no mundo. E quando lhe morre o segundo dos seus pais, mesmo que na altura o filho, ele próprio, já tenha 70 anos, então ele vai sentir-se totalmente desprotegido e absolutamente só no mundo. Faltou-lhe agora a última pessoa que, se ele tiver alguma aflição na vida, ele tinha a certeza que essa pessoa lhe viria pôr a mão por baixo, que seria até capaz de dar a sua vida por ele - a qual constitui a forma última de protecção que um ser humano pode conceder a outro. Se o filho já é adulto, este sentimento acabará por se desvanecer com o tempo.
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Porém, os seus pais fizeram questão de lhe ensinar esta última lição. Autoridade significa, acima de tudo, protecção.