I O responsável máximo pelo estudo afinal não era o responsável máximo. Quatro dos dossiers desse importantíssimo estudo são assinados pela mesma pessoa. As datas constantes no estudo também não podem ser aquelas que constam do seu cabeçalho já que nessa data os indicativos telefónicos e os códigos postais eram outros. A isto junta-se que desse estudo existem duas versões diferentes nos organismos oficiais onde ele foi entregue, etc... etc... Não, não me estou a referir ao processo de certificação académica de José Sócrates. Estou apenas a transferir para a actividade governamental o conceito de normalidade que passámos a aceitar no caso das habilitações do primeiro-ministro. Suponhamos que o estudo que referi tratava da localização do novo aeroporto. Do traçado do TGV. Do destino da GALP. Das opções da CGD. Do futuro da Segurança Social. Da reestruturação dos serviços de informações e segurança – seriam esses estudos considerados normais? Admitir-se-iam tantos erros burocráticos e administrativos? Espero sinceramente que não. Mas corremos de facto o risco de que tal aconteça.
Porque uma coisa é os portugueses darem a Sócrates o benefício da dúvida ou o ‘benefício apesar da certeza’ numa matéria pessoal como é o da sua formação académica. (O que aliás coloca uma pergunta cuja resposta está naturalmente adiada: vai o PS passar um cheque em branco e não datado neste caso a José Sócrates?). Outra coisa, essa muito mais grave e questionável, é este ‘faz de conta que é absolutamente normal’ instalar-se como estilo governamental e ser aplicado em assuntos como os que referi.### Mas não só. Nós mesmos podemos fazer de conta que achamos que é absolutamente normal que a documentação proveniente da UnI acumule erros sobre erros, mas não podemos fazer de conta quando os erros se estendem ao arquivo da Assembleia da República. Por razões várias, na nossa vida, todos nós esticamos e encolhemos os limites daquilo que consideramos absolutamente normal. Mas, como bem sabemos, devemos respeitar esses limites ou acabamos a não ser capazes de, diante dum espelho, perante o nosso próprio olhar, repetir a expressão “abolutamente normal”.
II É óbvio que os diplomas universitários de José Sócrates me inspiram dúvidas. Contudo não estão em causa os seus dotes e capacidades de liderança. E, seja qual for o resultado de todo este caso, não se pode esquecer que José Sócrates é líder do PS porque ganhou esse lugar e primeiro-ministro porque a maior parte dos portugueses lhe deu o seu voto de confiança. Outra coisa bem diversa são umas figuras como Armando Vara que não se percebe a que título, pessoal ou académico, foi nomeado administrador da CGD e que sobre o caso da Universidade Independente produziu na revista Sábado declarações muito significativas: «Conheci o António Morais numa reunião do PS no hotel Altis. Ele apresentou-se e disse-me o que fazia e que era de Carrazeda de Ansiães, a minha terra. Passado algum tempo, lembrei-me dele para uma função onde precisava de alguém.» A juntar a este critério de selecção baseado no nascimento em Carrazeda de de Ansiães e na filiação no PS juntou ainda Armando Vara um conselho ao jornalista – «Vá ver de onde vêm estas coisas [notícias sobre a UNI] e as ligações que existem ao grupo parlamentar do PSD». E para reforçar a recomendação Vara recorreu a um provérbio que diz ser também da sua terra: «pimenta no rabinho dos outros é refresco». Nada tendo eu contra Carrazeda de Ansiães, e o que por lá se diz ou faz, não me parece que Governo algum possa escolher e manter como administrador do principal banco portugês uma criatura que em bom juízo nem parece estar preparado para estar ao balcão da CGD. Seja em Carrazeda de Ansiães ou em qualquer outro lugar.
*PÚBLICO, 16 de Abril