Para um português que viva durante alguns anos num país de língua inglesa é bem provável que, com o tempo, tenha algumas surpresas lexicais. Aconteceu comigo por duas vezes. A primeira com a palavra mandarim.###
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Nesse dia, eu conversava com um anglo-saxónico genuíno que, a certa altura, utilizou a palavra mandarim referindo-se a um alto funcionário público do seu país. Só me faltava esta, pensei eu, será que mandarim também é uma palavra inglesa? Quando, finalmente, me libertei dele corri para a Biblioteca e para os dicionários.
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Não, mandarim era uma palavra portuguesa, com origem no verbo português mandar, designava um alto funcionário do Estado e teria tido a sua origem mais remota no tempo da chegada dos primeiros portugueses à China. Claro, pensei eu, não podia ser de outro modo - a tradição da autoridade pessoalizada, que é tão cara aos portugueses.
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Imaginei então os primeiros viajantes portugueses a desembarcarem em terras chinesas e, antes de dizerem ao que iam, a perguntarem à primeira pessoa que encontrassem, ainda que fosse por sinais: "Quem é que manda aqui?". E, depois de satisfeita a sua curiosidade, a comentarem uns para os outros: "Olha, aquele tipo que está ali é que é o mandarim".
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Porém, aquilo que para mim foi mais significativo na altura foi o facto de a língua inglesa não conter uma palavra equivalente, e ter tido a necessidade de importar uma palavra de outra cultura para transmitir, com precisão, a ideia de uma autoridade pessoalizada e forte sobre uma cidade, uma região ou até um país.
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Na realidade, esta é uma ideia que dificilmente cabe na cultura anglo-saxónica. Se alguém desembarcar numa cidade, numa região ou num país desta cultura e perguntar quem manda ali, a resposta mais provável que irá obter é a de que ninguém manda ali. Quem manda ali é a lei, que é uma autoridade impessoal.