21.4.07

à mesa do orçamento

Quando, há cerca de dois meses, dediquei uma série de posts ao Estado Novo e a Salazar, eu pretendia fazer ressaltar alguns aspectos do regime que eram genuinamente bons e que nós teríamos, ainda hoje, toda a vantagem em adoptar. Infelizmente, os meus argumentos foram recebidos com viva oposição, inclusivé por parte de alguns colegas de blogue.
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Um dos aspectos que pretendi salientar nessa altura foi o da concepção liberal que Salazar possuía acerca das funções do Estado na economia e na sociedade e que antecipou, em pelo menos 74 anos, a argumentação do João Miranda no seu artigo de hoje no DN (cf. abaixo).###
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Num discurso destinado a explicar os conceitos económicos da Constituição de 1933, Salazar defendia a concepção de um Estado limitado, cujas funções na economia e na sociedade eram subsidiárias às da iniciativa privada, e a mais importante era a de árbitro superior na sociedade, competindo-lhe, em primeira mão, assegurar as funções da ordem interna e externa, bem como a da administração da justiça, que permitissem à sociedade florescer espontaneamente.
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"(...) exceptuados os momentos... (de crise)... as funções do Estado devem ser muito mais limitadas (...).
O Estado deve manter-se superior ao mundo da produção (...). Quando, pelos seus órgãos, a sua acção tem decisiva influência económica, o Estado ameaça corromper-se. Há perigo para a independência do Poder, para a justiça, para a liberdade e igualdade dos cidadãos, para o interesse geral em que da vontade do Estado dependa a organização da produção e a repartição das riquezas, como o há em que ele se tenha constituído presa da plutocracia do país. O Estado não deve ser o senhor da riqueza nacional nem colocar-se em condições de ser corrompido por ela. Para ser árbitro superior entre todos os interesses é preciso não estar manietado por alguns". (*)
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Aquilo que Salazar sabia e que, aparentemente, o João Miranda ainda não descobriu, é que esse Estado limitado, superior aos interesses materiais e, portanto, capaz de arbitrar entre eles, nunca existiu em Portugal - nem, para o efeito em qualquer país de tradição católica do sul da Europa e da América Latina - em regime de democracia liberal.
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Pelo contrário, nos últimos 200 anos, o único período em que ele existiu foi sob o regime do Estado Novo. Quando Salazar abandonou o poder em 1968, o peso do Estado na economia (medido pela percentagem da despesa pública no PIB) era de 18%. Hoje é de 48%.
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Apenas 15 anos depois de instituída em Portugal, através de Revolução Liberal de 1820, a primeira tentativa de imitar as democracias liberais anglo-saxónicas, era criada a expressão comer à mesa do orçamento, a qual ainda hoje perdura.

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A expressão, aparentemente, teve origem num discurso de Rodrigo da Fonseca, quando era ministro do Reino (1835), no governo de Saldanha, o qual, referindo-se aos adversários políticos dos diferentes partidos da democracia recentemente instituída, concluía que quando "postos todos a comer à mesma mesa depressa passavam de convivas satisfeitos a amigos dedicados".

(*) Oliveira Salazar, Discursos, Coimbra: Coimbra Editora, 5ª edição, vol. I, pp. 208-13