Mas foi apenas um pretexto. Porque, a partir daí e logo desde o início, a Inquisição foi uma fonte extraordinaria de receitas para a Coroa e serviu para alimentar o crescimento de uma poderosa burocracia do Estado - sobretudo ligada aos ramos judicial e fiscal da administração pública - que justificava os seus salários e derivava outros rendimentos, nem sempre lícitos, do negócio da intolerância e da delação.
Os bens das pessoas acusadas de heresia eram imediatamente confiscados e revertiam para o Fisco. Como sempre em Portugal, isto não se fazia sem o devido processo. Porém, "(c)onforme António Baião apurou, são esclarecedores os testemunhos de livreiros e impressores, mercadores, mestres de obras, ourives e estudantes que acusam os Tesoureiros do Fisco, o próprio Juiz e até o Inquisidor geral de se apoderarem dos bens sequestrados e dos confiscos. Referem-se, por exemplo, a livros de Direito de letrados hereges relaxados que, em lugar de serem vendidos em leilões dos bens confiscados, constituiam instrumento de posse de advogados e inquisidores; a peças de ouro e prata que foram sonegadas ao Fisco por agentes deste, apagadas as marcas e buriladas as armas do novo dono; a boas casas que, em vez de acabarem arrasadas por serem consideradas antigas sinagogas, transformavam-se em propriedade legítima dos Tesoureiros do Fisco graças a concluios bem urdidos"*.
Numa carta de 1647 dirigida a D. João IV, o Marquês de Nisa não podia ser mais explícito: "(...) Aumente V. Majestade o comércio, e faça favores aos homens de negócio, dando-lhes muitas liberdades, e quando são judeus queimem-nos, por ser o castigo mais ajustado à razão e justiça, e as fazendas fiquem livres, para as alfândegas de V. Majestade terem os proveitos que o Fisco não dá a V. Majestade"*.
Esta são imagens da sociedade portuguesa do século XVII a defender a pureza da fé cristã. Os escândalos e os abusos atingiram tal dimensão que o Papa Clemente X mandou suspender os tribunais da Inquisição em Portugal (1674-81).
*Citações a partir de Luís Filipe Barreto et.al. (coord.), Inquisição Portuguesa: Tempo Razão e Circunstância, Lisboa: Prefácio, 2007.