14.4.07

veritas

As melhores universidades do mundo são privadas e a sua gestão não está submetida ao poder político. Quase todas elas tiveram na sua fundação uma inspiração religiosa. O seu propósito era chegar à verdade - entendida, na altura, como a verdade divina. E, mesmo quando a sociedade se secularizou, a lealdade suprema dos seus universitários permaneceu uma e uma só - a verdade, significando agora predominantemente a verdade científica ou filosófica.###
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Em Portugal, a origem das universidades foi idêntica. A Universidade de Coimbra, primeiro, a Universidade de Évora, depois, foram criações do espírito religioso e motivadas pela procura da verdade divina. Porém, com a reforma do Marquês (1772), a Universidade de Évora foi extinta, e a de Coimbra foi estatizada.
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A lealdade suprema dos universitários em Portugal deixou, então, de ser a verdade e passou a ser o poder político. A criação das Universidades de Lisboa e Porto em 1911 pelo governo da I República fechou o triângulo que iria definir a cultura universitária no país ao longo do último século e que a Universidade de Coimbra protagonizara sozinha desde os tempos do Marquês. O lema era: lealdade ao poder político, ainda que sacrificando a verdade.
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Quando, a partir do final dos anos 70, as três universidades públicas (quatro, contando a Universidade Técnica de Lisboa criada entretanto pelo Estado Novo) se mostravam incapazes de satisfazer uma população crescente que ambicionava formação universitária, as universidades privadas foram então permitidas em Portugal.

Porém, o seu propósito era político - acomodar uma multidão de potenciais estudantes universitários excluídos das universidades públicas. Não havia nenhum propósito de, através delas, promover a procura da verdade e muito menos de promover a liberdade de ensino. E por isso, não podendo controlar as universidades privadas pela via do seu financiamento, como fazia com as públicas, o poder político sujeitou-as a um controlo ainda mais estrito, submetendo à sua aprovação virtualmente todos os actos da sua gestão (v.g., criação de cursos e sua alteração, admissão de estudantes e professores, até as suas instalações).
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Em consequência da sua estatização e submissão ao poder político, as universidades em Portugal, desde os tempos do Marquês, foram sempre mais centros de produção de políticos e de funcionários do Estado - mesmo no campo das ciências - do que centros de investigação em procura da verdade, fosse ela a verdade filosófica ou a verdade científica. Da universidade portuguesa saíram sempre muitos políticos e burocratas do Estado - incluindo burocratas do espírito -, raramente sairam grandes filósofos, grandes escritores, grandes cientistas ou grandes artistas.
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Em qualquer das melhores universidades do mundo, um universitário que decida entrar na política, dificilmente regressa à universidade. São os seus próprios colegas que lhe barram o regresso. Na política, ele teve frequentemente de sacrificar a verdade, ou de faltar à verdade, por imposição das realidades da actividade política. Ele está manchado para sempre e, na política, desqualificou-se para prosseguir o fim próprio da actividade universitária, que é o da procura da verdade.
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Pelo contrário, em Portugal, a lealdade suprema de um universitário é para com a política, não para com a verdade. Por isso, a origem mais provável de um político no país é a universidade e o seu destino mais provável quando fica desempregado da política é o regresso à universidade.
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Até 1974, a classe política era pequena, e o Estado também, e três universidades, ou quatro, eram suficientes para produzir políticos e burocratas do Estado, e para os acolher de volta quando cessassem funções. A partir de 1974, a classe política aumentou enormemente e o Estado também. Eram precisas mais universidades para esse fim. As universidades privadas vieram também preencher esta lacuna.