18.12.07

Tratado de Lisboa: críticas (e críticas) - I


Crítica: "Das duas uma, ou o Tratado não será levado a sério e terá uma aplicação, chamemos-lhe assim, «criativa», e este será o mal menor; ou será aplicado como tal e é só esperar pelo primeiro conflito grave que rompa a EU como nada antes rompeu, ameaçando a sua existência, o que será o mal maior”.

Ou seja, ou nada ou o caos!... isto é, "um conflito grave que rompa a EU como nada antes rompeu". Pergunta-se: tipo o quê? Uma guerra civil num dos seus Estados-membros?; o renascimento de uma guerra (a terceira) mundial?; o uso da bomba atómica do Irão sobre a Europa?; uma catástrofe natural arrasadora?
Enfim, é natural que um conflito verdadeiramente grave como nada antes sucedeu (!), tenha também consequências imprevisíveis, como também nada antes as teve (!), entre as quais, a menor e mais natural (nesse registo tonitruante e catastrófico) até poderá ser a paralisia ou a desagregação da EU. Mais, se tal suceder, isso significa que já antes a EU não conseguiu evitar tal "ruptura" irreversível (como nada antes tinha acontecido!) ###

Crítica: "Basta conhecer um mínimo da realidade política europeia para perceber que, por exemplo, nenhum governo do Reino Unido se aguentará em Downing Street se começar a ter que aplicar ao dito Reino medidas votadas por maioria na EU que contrariem aspectos fundamentais da independência britânica (...)".

Pois não... e tal dificilmente não deixaria de suceder também em qualquer outro país (infelizmente, temo que a excepção possa ser feita por Portugal e pelos Portugueses!)

A questão está em saber o que é que o crítico considera "aspectos fundamentais da independência" de um Estado, já que, pelos vistos e segundo declarações do próprio Primeiro-Ministro G. Brown, o Tratado não afecta nenhum aspecto da soberania britânica. Com efeito, Brown declarou que "não teríamos necessidade de colocar ao povo britânico (o Tratado) em referendo porque alcançámos os interesses nacionais e o Tratado Reformador não implica alterações constitucionais fundamentais para o povo britânico". Claro está que esta posição não é consensual; o Reino Unido está dividido e, as declarações de David Cameron demonstram isso mesmo....
Mas, enfim, esse tipo de divisões e de objecções sempre existiu e, apesar de tudo, ao contrário daquilo que muitas vezes se faz crer de uma forma precipitada e injusta, nunca os grandes obstáculos à integração europeia, no seu dia a dia, vieram do Reino Unido. As grandes crises históricas do processo de integração nunca tiveram como epicentro o Reino Unido. Ao contrário de outros Estados, com menos fama e mais proveito, como foi o caso, por exemplo, da França de De Gaulle (1966 - crise da "chaise vide")!.

Além disso - pequeno pormenor! - se há Estado-membro que cumpre com competência e lealdade as obrigações comunitárias é o Reino Unido. Os seus Tribunais são um exemplo para toda a União, a tal ponto que (e aqui, parece que quem não conhece suficientemente bem a história política recente do Reino Unido é o crítico) os Tribunais ingleses e, em especial, a Câmara dos Lordes, não hesitaram em aceitar e aplicar decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia (à data, das Comunidades Europeias) que contrariavam princípios constitucionais britânicos - como foi o caso no Acórdão Factortame (sobretudo, Factortame I), de 1990 e, ainda no mesmo sentido, da jurisprudência Factortame, a Decisão da Comissão de 1991, no Caso C-246, Commission/United Kingdom, (1991, in ECR I-4585)...

Crítica: "(...) há mil e uma coisas que nunca nenhum governo admitirá sem resolvidas por votação "transnacional". Experimentem abrir uma mesquita em Atenas, ou criar associações de língua alemã na parte ocidental da Polónia, ou sugerir á França e ao Reino-Unido que dêem o seu lugar no Conselho de Segurança da ONU ao novo ministro dos negócios estrangeiros".

Pois bem, há alguma precisões a fazer neste arrazoado: não se percebe muito bem o que é votação "transnacional"; uma votação transnacional teria que ser efectuada directamente pelos povos, independentemente ou para além das respectivas nacionalidades, dito de outro modo Estados! Não é (infelizmente, digo eu!) o caso do processo de decisão (agora, do "processo de decisão comum") na UE.
Ora, se o que se pretendeu dizer com "votação transnacional" era "votação por maioria qualificada" (uma coisa muito diferente), então importa referir que essas votações continuam a ser efectuadas pelos Estados, pelos responsáveis do "nosso" Estado (e do do crítico), eleitos, entre nós, democraticamente. Mais: tal votação por maioria qualificada já existia, sempre existe mesmo noutro tipo de Organizações Internacionais que não são de integração (ex. ONU!) e o que agora sucede é que se alargam a mais cerca de 50 domínios (e não 60, como referiu Cameron) a decisão por "maioria qualificada".

Além disso, passa a prever-se, institucionalmente, a intervenção dos parlamentos nacionais no controle das matérias que, porventura, devam ser abrangidas pela subsidiariedade e que, por qualquer motivo, haja a tentação (errada) das instituições da UE de as avocar, em detrimento do nível natural de regulação/legislação dos Estados-membros (novo nº 3, do artº 3 - B, Tratado da U E).

Já agora, a este propósito, são também muito caricatos os exemplos dados pelo crítico que, recorde-se, são: "abrir uma mesquita em Atenas, ou criar associações de língua alemã na parte ocidental da Polónia, ou sugerir á França e ao Reino-Unido que dêem o seu lugar no Conselho de Segurança da ONU ao novo ministro dos negócios estrangeiros".
Estes são precisamente casos em que nem sequer a União tem competências para legislar; são situações em que, de facto (à excepção do exemplo do Conselho de Segurança da ONU) preenchem mesmo (diria, academicamente) situações de evidente sujeição ao princípio da subsidiariedade….

(Críticas de Pacheco Pereira, revista Sábado, nº 180 de 13 a 9 Dezembro de 2007, p. 8.)