15.2.07

Transformar a ADSE no ramo convencionado do SNS.

Em Portugal existe presentemente um Sistema Nacional de Saúde (SNS), o qual seria teoricamente universal, ou seja, serviria a generalidade dos cidadãos, mas que em alguns casos não o é - entre outros aspectos, pela subsistência de sistemas mais antigos e que radicam em bases diferentes.

Entre tais sistemas conta-se a ADSE, um sistema do Estado que cobre os funcionários públicos. A existência da ADSE coloca questões pertinentes, uma vez que se compreende mal que o Estado possa conceder direitos diferentes aos seus próprios funcionários, quando comparados com os restantes cidadãos. Esta argumentação poderia servir para propor a extinção da ADSE (e, presumivelmente, de outros sistemas de Saúde do Estado de menor dimensão).

Uma análise mais cuidadosa da questão poderá, contudo, colocar em causa tal conclusão. De facto, importaria demonstrar que a extinção da ADSE seria mais vantajosa, para o país e para os cidadãos, do que a sua manutenção, a par de algo semelhante ao actual SNS.
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Interessaria conhecer, designadamente através de uma análise económica independente, o custo para o Estado de cada exame, consulta, etc., através da ADSE e, comparativamente, através do SNS. Importaria ainda conhecer os custos anuais médios do Estado com cada cidadão coberto por cada um dos sistemas. Embora com limitações, talvez fosse possível obter alguns dados relativos aos resultados clínicos obtidos - no valor para os doentes ("the health outcome per dollar of cost expended", segundo Porter e Teisberg) - por cada um dos sistemas.

A ADSE representa um tipo de cuidados de saúde de natureza convencionada, com um grau de concorrência e de liberdade de escolha para os cidadãos muito superior ao que ocorre no actual SNS. Por outras palavras, a ADSE representa um modelo que inclui alguns dos traços desejáveis numa eventual reestruturação do SNS, e que tem a vantagem de já existir. Na realidade, a questão da falta de igualdade de direitos no acesso aos cuidados de saúde financiados pelo Estado poderá ser resolvida alargando o âmbito de actuação da ADSE, não sendo de todo necessária a sua extinção, e alterando o seu nome (por exemplo, para Serviço Nacional de Saúde - ramo convencionado).

O SNS, no que respeita à clínica de ambulatório e em particular aos cuidados primários, não conseguiu, até à presente data, ser verdadeiramente universal - milhares de cidadãos não estão cobertos da forma "planeada". As listas de espera para consultas ou para cirurgia são outro problema de grande importância. Levanta-se a hipótese de o defeito residir no modelo de organização - o defeito estaria na partitura e não nos intérpretes.

Um critério mínimo de justiça, no sentido próprio da palavra, faria atribuir a todos os cidadãos sem "médico de família" que assim o desejassem, o estatuto de beneficiários da entretanto renomeada ADSE, uma vez que não há quaisquer indícios de que o SNS se torne de facto universal num futuro próximo (isto enquanto subsistissem os actuais paradigmas de cuidados primários - eles próprios carecendo eventualmente de reformulação em profundidade, com a introdução de liberdade de escolha e de concorrência).

Neste modelo. o "SNS-ramo não convencionado" (o actual SNS) e o "SNS-ramo convencionado" (a actual ADSE e outras estruturas similares) seriam colocados em concorrência, podendo os cidadãos optar por um ou pelo outro. Um dos ramos seria, pelo menos inicialmente, baseado no princípio das taxas moderadoras, enquanto que o outro ramo seria baseado no princípio do co-pagamento (sem prejuízo de uma eventual e ulterior uniformização).

Esta poderia ser uma solução para providenciar a curto prazo mais concorrência e mais liberdade de escolha, de uma forma flexível, uma vez que, ao providenciar um ramo "tendencialmente gratuito" (um imperativo constitucional), o outro ramo, convencionado, poderia sofrer ajustamentos dos co-pagamentos em função da procura. Este modelo é alternativo ao actual, o de um SNS com sérios problemas, incluindo listas de espera, excessivamente dimensionado e provavelmente inviável financeiramente a longo prazo, que precipita cada vez mais cidadãos na aquisição de seguros de saúde, pagando duas vezes - O SNS através dos impostos, e ainda o seguro.

José Pedro Lopes Nunes