Não consta que o Doutor António de Oliveira Salazar tenha alguma vez apanhado uma bebedeira ou, sequer, ficado ligeiramente «tocado» num acontecimento social. Também parece que não era dado a festividades nem a eventos mundanos. Não fumava substâncias lícitas ou ilícitas, proibiu o absinto e não consentiu que se vendesse «Coca-Cola» no Continente. Não se casou nem teve filhos, porque estava «casado com a Pátria», cujas exigências monogâmicas não permitiam qualquer transigência. As namoradas que, segundo reza a lenda, ia arranjando, tinham que se disfarçar de jornalistas, primas, afilhadas ou colaboradoras, não fossem esses devaneios freudianos manchar a gravitas da sua imagem. Não viajava ao estrangeiro, não conhecia mundo, nem comprou caramelos da única vez que foi a Badajoz. Falava sempre no mesmo tom monocórdico, nunca se exaltava, e jamais desceu ao mundo dos comuns ao longo dos seus quarenta anos de poder pessoal absoluto. Nunca debateu politicamente com ninguém, e sempre manifestou um enfado imenso pela sua «missão», que o levava a garantir que estava permanentemente de viagem aviada para Santa Comba Dão, onde, com a preciosa ajuda da Senhora Dª Maria, cuidaria do quintal e das couves, em vez de tomar conta da pátria e de todos nós. Quando receosamente e sob observação dos tutores do regime, Marcelo Caetano o substituiu, vincou no discurso de posse que ele era apenas homem comum, um simples mortal com o fardo imenso de suceder a um «homem de génio».
Viver toda uma vida sob esta monotonia, sem possibilidade de contestação ou a esperança de substituição, há-de ter sido um martírio. De facto, a oposição ao regime de Salazar era, pelo menos a partir do momento em que se percebeu que o ditador apenas estava obcecado consigo mesmo, uma questão de princípio, de inteligência e de honestidade. O facto de muito poucos se lhe terem oposto e do país o ter suportado reverentemente durante quarenta anos, diz mais sobre o povo que somos do que qualquer outra análise histórica e política.
Viver toda uma vida sob esta monotonia, sem possibilidade de contestação ou a esperança de substituição, há-de ter sido um martírio. De facto, a oposição ao regime de Salazar era, pelo menos a partir do momento em que se percebeu que o ditador apenas estava obcecado consigo mesmo, uma questão de princípio, de inteligência e de honestidade. O facto de muito poucos se lhe terem oposto e do país o ter suportado reverentemente durante quarenta anos, diz mais sobre o povo que somos do que qualquer outra análise histórica e política.