16.3.07

A casa dos espelhos*

Não fosse Rui Tavares ter referido o blogue do Ministério da Administração Interna no seu texto e eu teria demorados mais umas horas a perceber e acreditar que o ministro da Administração Interna, nº dois do Governo, e um dos seus secretários de estado dedicam, desde o passado fim-de-semana, parte do seu tempo a comentar os comentadores. Exactamente: comentar os comentadores.###
Nunca vi como positivo que os governantes não leiam jornais mas outra coisa é governarem obcecados agora já nem tanto com as notícias mas sobretudo com a opinião que é produzida sobre as suas medidas.
O governo de Sócrates está a tornar-se refém da propaganda que tão bem tem utilizado. Assim em vez de privilegiarem a informação explicando as medidas que tomam aos cidadãos, por exemplo abordando claramente a questão do encerramento das esquadras e postos da GNR, o ministro e secretário de estado da Administração Interna fazem posts a rebater as opiniões dos comentadores. E não adianta tentar tapar o sol com a peneira, dizendo que o Governo tem de estar nos novos meios. O Governo está nos novos meios. Tem um portal para o efeito. O que aqui está em causa não é nem a novidade do blog e muito menos as expectativas sobre o seu futuro: qualquer pessoa que participe num blog sabe que dificilmente fora das campanhas eleitorais um político suporta a dinâmica da blogosfera.
O que está patente no blog do MAI é algo de muito velho. Lembram-se da barraca das feiras onde os espelhos nos faziam ora mais baixos ora mais gordos? É isso que acontece aos governos. A propaganda torna-os reféns desse universo claustrofóbico. Com medo que os vejam de fora arredam para um canto os protagonistas mais incómodos – onde anda por exemplo Jaime Silva, ministro da Agricultura? E tudo aquilo que fora dos limites desses espelhos se escreve ou diz adquire proporções desproporcionadas.
E é neste ambiente de casa dos espelhos em que o executivo de Sócrates parece disposto a enfiar-se que se torna inquietante a discussão em torno da reestruturação dos serviços policiais e de informações.
Defender a segurança dos cidadãos é uma obrigação de qualquer governo e essa segurança não existe sem forças policias e serviços de informações. O que está em causa na actual discussão e em todas as discussões sobre esta matéria nos países democráticos é a possibilidade destas estruturas virem a servir desígnios pessoais, de grupos ou partidos. Veja-se o sucedido em França com a criação, por Miterrand, duma unidade secreta, “a célula do Eliseu”. O controlo democrático destes serviços tenham eles o organigrama que tiverem é essencial para que funcionem e sejam respeitados. Quando se confunde como parece estar a acontecer com o Governo português a reivindicação desse controlo com o lançar de suspeitas é porque se começa a perder a noção da realidade e a ver o mundo do tal corredor de espelhos deformantes.
Entretanto enquanto no MAI se brincava aos comentadores um fundamentalista explodia-se num cyber café, em Marrocos. A Al Qaeda ameaçava vários países europeus e também a Argélia. Quanto à GNR continua em Timor mas para perceber o que aí acontece é melhor consultar a imprensa australiana.

PÚBLICO 15 DE Março