11.3.07

democracia


Como argumentei num post anterior, na tradição protestante cada homem é uma autoridade livre. Por isso, à medida que o poder temporal se foi separando do poder espiritual, que forma de organização política poderia emergir numa sociedade predominantemente protestante, uma sociedade onde, sendo todos os homens iguais aos olhos de Deus, cada homem se via a si próprio - e a cada um dos seus semelhantes - como uma autoridade livre?
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A única forma possível seria a democracia.###
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Sendo cada homem uma autoridade livre, e igual a todos os outros, a autoridade da sociedade civil - o Estado - não pode senão residir em todos os homens. Porém, este princípio é de difícil operacionalidade política, excepto na situação ideal e limite de consensualidade entre todos os homens, uma situação em que todos eles estão de acordo acerca da verdade e do caminho para chegar a Deus. Na ausência deste consenso, a menos má de todas as soluções deve prevalecer - a autoridade da maioria dos homens, e é nisso que consiste a decisão democrática. A democracia, tal como hoje a conhecemos, é um regime de governação que emana do protestantismo.
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Na tradição católica é diferente. O compromisso (covenant) entre Deus e os homens é celebrado preferencialmente entre Deus e os apóstolos (ou os seus representantes modernos - os bispos) e, só através deles, com todos os outros homens. A autoridade divina é delegada numa autoridade terrena - a Igreja - e cada homem só é livre na medida em que se submeta à autoridade terrena que representa a autoridade de Deus na terra. Ao contrário do homem protestante, que é uma autoridade livre, o homem católico é, desde o início, um sujeito livre.
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Ao contrário da tradição protestante que tende a ver a autoridade de uma forma horizontal - todos os homens são autoridades livres e iguais -, a tradição católica vê a autoridade de uma forma piramidal e, portanto, hierárquica. Na base da pirâmide, todos os homens nascem iguais. E, por uma vida de boas obras, eles vão subindo em direcção a Deus ganhando autoridade e, por essa via, liberdade, sendo cada vez menor o número daqueles que conseguem ascender mais alto, até que no vértice da pirâmide existe apenas um, o mais livre de todos os homens, porque é aquele que recebe a maior autoridade de Deus - o Papa.
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Na tradição católica, então, a governação da sociedade não pode ser entregue - como na tradição protestante, onde todos os homens são autoridades livres e iguais - a quaisquer homens. Ela deve ser entregue aos homens que, através de uma vida de boas obras, se guindaram mais alto e mais próximo de Deus e, por isso, dele receberam autoridade para governar os outros homens.
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Parece, pois, evidente que a democracia, tal como hoje a conhecemos, nunca poderia ter sido inventada num país de tradição predominantemente católica. Mas então, e se, um país desta tradição decidir substituir o sistema de governação que lhe é próprio - que é um sistema de autoridade hierarquizada - por um sistema de autoridades iguais, como é a democracia?
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O mínimo que, à partida, se pode dizer, é que as dificuldades não vão ser fáceis de vencer.