11.3.07

dificilmente poderiam correr bem


Quando o movimento da Reforma religiosa triunfou na Europa do Norte, os crentes e os líderes protestantes viram-se confrontados com vários problemas. O primeiro era o de saber como é que eles teriam agora acesso à Palavra de Deus - Palavra que antes lhes era transmitida pela Igreja de Roma. ###
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A resposta a esta questão não podia senão ser óbvia: lendo as Escrituras. E foi assim que, nos países predominantemente protestantes do norte da Europa e nos seus descendentes na América do Norte, as taxas de literacia aumentaram drasticamente. Pelo contrário, nos países predominantemente católicos do sul da Europa - Espanha e Portugal - e nos seus descendentes na América Latina, o acesso à Palavra de Deus obtinha-se frequentando a missa. As taxas de analfabetismo prevaleceram elevadas nestes países.
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Porém, uma segunda questão - e mais complexa - iria colocar-se aos crentes protestantes. Sendo as comunicações difíceis na altura e vivendo as cidades, vilas e aldeias, em situação de relativo isolamento, era apenas natural que a leitura e a interpretação das Escrituras numa certa comunidade diferisse daquela que prevalecia noutra comunidade, dando assim origem a várias igrejas ou correntes protestantes.
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Entre estas múltiplas interpretações das Escrituras, qual era então a interpretação certa e a interpretação verdadeira da Palavra de Deus? A resposta a esta questão, os líderes religiosos protestantes encontraram-na nas próprias Escrituras: "Digo-vos ainda: Se dois de entre vós se unirem, na terra, para pedirem qualquer coisa, obtê-la-ão de Meu Pai que está nos céus. Pois, onde estiverem reunidos, em Meu nome, dois ou três, Eu estou no meio deles" (Mateus 18: 19, 20). Por outras palavras, Deus abençoa todas as interpretações da Sua Palavra, desde que elas sejam feitas em Seu nome.
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Desta circunstância, iria resultar, entre os povos de tradição protestante, uma atitude de tolerância e respeito por parte de cada homem ou grupo de homens em relação às opiniões de qualquer outro homem ou grupo de homens - atitude de tolerância e respeito que está na base da democracia moderna. Não surpreende, por isso, que a democracia tenha nascido nos países predominantemente protestantes do Norte da Europa, e se tivesse propagado facilmente aos seus descendentes na América do Norte. Não surpreende sequer que os partidos políticos que a caracterizam surjam como uma herança directa da multiplicidade de correntes religiosas (igrejas) do protestantismo.
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Para chegar à palavra de Deus e a divulgar cada homem tinha de ser livre para inquirir, livre para formar opinião, e livre para difundir a sua opinião. A liberdade de expressão surge assim, para o homem da tradição protestante, como uma necessidade afim de ele poder cumprir a sua parte no compromisso (ou aliança: covenant) que estabeleceu com Deus. Por isso, não surpreende também que tenha sido nos países predominantemente protestantes da Europa do Norte e nos seus descendentes na América do Norte que a liberdade de expressão primeiro ganhou o estatuto de um valor individual e social importante.
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Liberdade de expressão, multiplicidade de correntes de opinião (pluralismo), democracia - são valores essencialmente protestantes. Quando as populações de tradição predominante católica - como Portugal, Espanha, e os seus descendentes na América Latina - procuraram adoptá-los, as coisas dificilmente poderiam correr bem.