2.3.07

A fábula da maca e da cadeirinha obrigatória*

Os portugueses ficam cada vez mais entregues a si mesmos nas situações de fragilidade e são cada vez mais tutelados pelo estado nos momentos em que se bastam.
Enquanto somos trabalhadores activos o Estado português não só nos cobra cada vez mais impostos (não hesitando até em aprovar a divulgação de listas com os nomes dos prevaricadores fiscais, divulgação essa que não aprova para os outros criminosos), como não deixa por regulamentar qualquer momento das nossas vidas.###
O expoente desse zelo estatal para com os cidadãos na sua fase de vida activa são as operações policiais à porta das escolas com vista à averiguação do uso das cadeirinhas para crianças.
Registe-se que elas só são obrigatórias para as famílias. Nos transportes públicos e táxis as mesmas crianças podem viajar de pé ou sentadas sem cadeirinha alguma. No carro da família é que não. Mesmo quando as crianças são três e apenas cabem duas cadeirinhas no banco de trás da viatura. Depois passemos para o aparato policial em si mesmo. As notícias de atropelamentos e violência no perímetro das escolas acusam não raramente a falta de vigilantes e de policiamento. Mas enquanto tudo isso é aceite como uma fatalidade - «não há meios» -, para inspeccionar as cadeirinhas não faltaram nem meios nem agentes.
Por fim falemos das escolas à porta das quais os polícias inspeccionaram as cadeirinhas. Os portugueses, que além do IRS e outros impostos, só para a segurança social descontam mais de 30 por cento daquilo que ganham, não têm o direito de escolher a escola em que colocam os seus filhos. Por outras palavras, se os seus filhos frequentam uma escola pública essa escola foi determinada pela sua morada e não pela sua vontade. A isto junta-se que, se colocarem os seus filhos numa escola privada têm de pagar uma mensalidade, já que o cheque-ensino é um tabu para este Estado intrusivo e abusivo durante a nossa vida produtiva mas que se demite no momento em que precisamos dele.
Quando nos reformamos, adoecemos, ficamos desempregados, vivemos no interior... o Estado escapule-se. Pelo contrário nos momentos em que estamos bem o estado não nos larga. Ou seja, estamos a ser enganados. Mas também para nós, os enganados, a máquina estatal já criou um programa. Chama-se Projecto de Prevenção das Expectativas Assistenciais Falhadas. A sério, foi criado em 2003 e, a continuarmos assim, dentro em breve passará a programa de qualquer governo. Afinal, dada a voracidade de verbas da máquina estatal - concebida em nome do estado social -, pouco mais podem os nossos governos fazer do que inventar fontes de receita, como as multas das cadeirinhas, e forjar argumentos de racionalização de serviços para não nos garantir uma maca no dia em que precisarmos dela.

*PÚBLICO, 1 de Março