12.3.07

opinião pública


Provavelmente em nenhum outro aspecto a democracia num país de cultura predominantemente protestante difere tanto da democracia num país de cultura predominantemente católica, como na opinião pública.###
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Numa democracia, os cidadãos são livres de exprimirem as suas opiniões. Os cidadãos são também livres de se associarem e formarem correntes de opinião - e é esse o significado essencial dos partidos políticos. Entre as várias correntes de opinião competindo entre si, ganha aquela que receber o maior número de votos dos cidadãos. E os governantes são eleitos para executar esse mandato - o mandato da corrente de opinião maioritária, concretizada num programa político que traduz uma certa visão do mundo e uma certa direcção para a sociedade.
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Num regime democrático, os cidadãos comandam e os governantes executam. Num regime autoritário é ao contrário, os governantes comandam e os cidadãos executam. Daí a importância que a opinião pública assume numa democracia - é ela que, em última instância, decidirá os destinos da sociedade, para o bem e para o mal. A opinião pública representa os consensos, frequentemente precários, que emergem do diálogo social, essa conversa permanente entre todos os cidadãos acerca dos destinos da sua vida colectiva.
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O homem protestante é uma autoridade livre. Para ele, a liberdade de expressão - como qualquer outra liberdade - é um meio para poder cumprir as suas obrigações para com Deus, para poder ele próprio chegar à verdade e contribuir para que os outros homens cheguem também à verdade.
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Por isso, para o homem protestante, a liberdade de expressão e a sua participação no diálogo social que conduz à formação da opinião pública - nos jornais, na rádio, nas universidades, nas empresas, nos blogues, nas famílias - é um assunto muito sério, porque desse diálogo depende o destino da sua vida e de todos os seus concidadãos e, em última instância, o cumprimento da sua parte no compromisso (covenant) que possui para com Deus.
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O homem protestante entra neste diálogo com uma postura de seriedade e empenhamento (commitment). Ele não participa sem estar preparado. Quando ele participa, ele contribui para o avanço do diálogo - jamais para o entravar ou paralisar - e visa contribuir para o bem de todos. Ele trata bem todos os seus concidadãos que participam no diálogo, porque Deus não aprovaria que os tratasse de outra forma. Ele está pronto a ceder neste e naquele aspecto para chegar a um consenso com os outros cidadãos. O debate público torna-se uma experiência enriquecedora na qual cada um contribui com aquilo que pode para chegar à verdade, e em que o mais importante é contribuir. A democracia torna-se uma conversa sem fim (an ongoing conversation), de tal modo que, quando um tema se esgota, é necessário inventar outro para que ela possa perdurar.
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Na tradição católica, pelo contrário, cada homem vê-se a si próprio como um sujeito livre - mas, ainda assim, como um sujeito. Para o homem desta tradição, a liberdade de expressão representa sobretudo a remoção da autoridade superior que antes o continha e o limitava, e a sua capacidade para dizer agora tudo aquilo que lhe ocorre ao espírito, sem qualquer limitação.
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Olhando todos os homens como sujeitos iguais a ele, ele não reconhece autoridade a qualquer um dos seus concidadãos. Qualquer contribuição ao diálogo vinda de um cidadão, encontra, por parte dos outros, não uma contribuição positiva, mas o entrave, a ridicularização e, frequentemente, o insulto. Na sua qualidade de sujeito, o homem da tradição católica está convencido de que nunca poderá contribuir, pelos seus próprios meios, para a melhoria da sociedade. E esta incapacidade ele atribui-a também aos outros.
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Cercear toda a ideia, boicotar toda a discussão, nunca contribuir para o diálogo, lançar o ónus das questões sobre os outros, mas nunca assumir a responsabilidade de ele próprio lhes dar respostas, fazer parecer mal a outra parte no diálogo, levar a discussão para questões que nada têm a ver com a realidade, tornar o diálogo social um jogo inútil de palavras em que ele ganha e o outro perde - esta é a postura típica do homem da tradição católica naquilo que, neste países, se chama opinião pública.
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Habituado, por força da sua tradição cultural, a que as suas opiniões não contem para nada na vida em sociedade, ele só acredita na opinião que é veiculada pelas "autoridades". Porém, em breve, ele vai dar-se conta que as "autoridades" num regime democrático são sujeitos como ele, pessoas normais como ele e que só ascenderam a esse estatuto por força do voto que ele próprio lhes concedeu - e não as autoridades que ele admira, que são aquelas que se guindaram a esse estatuto por uma vida de boas obras.
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Por isso, o homem da tradição católica acaba a utilizar a liberdade de expressão que a democracia lhe concede, não apenas para depreciar toda a ideia vinda a público e para menosprezar todos os seus concidadãos, mas também a fazê-lo em relação aos governantes, os quais ele toma como os culpados de todos os males da sociedade. Quanto à sua quota-parte de responsabilidade nesses males, ele jamais a reconhece, porque, aos seus próprios olhos, ele é meramente um sujeito, e não uma autoridade.
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No que respeita à formação da opinião pública e à função decisiva que ela representa numa sociedade democrática , essas são questões que, num país democrático de tradição católica, foram, entretanto, perdidas de vista.