
Recentemente, mencionei aqui uma dessas palavras: mandarim. A mais terrível, porém, é a expressão auto-da-fé. Não existe tradução em inglês, escreve-se em inglês como no seu original português. Aparentemente, nunca passou tal ideia pelo espírito anglo-saxónico, é uma ideia inconcebível nesta cultura, e por isso não existe uma expressão própria para a traduzir.###
O auto-da-fé é o inquérito às intenções, o julgamento à consciência, provavelmente a mais radical forma de violentação do espírito humano que a humanidade já conheceu. Uma das partes atribui à outra intenções que, na generalidade dos casos, esta nunca teve - e, se as teve, só ela as poderia confirmar - e, em seguida, julga-a com base nas intenções que ela própria lhe atribuiu. É a acusação sem possibilidade de defesa, a condenação certa.
A mentalidade do auto-da-fé está ainda hoje presente na maior parte das discussões entre portugueses, nos jornais, nas rádios e nas televisões, na blogosfera (nas caixas de comentários deste blogue, ela é omnipresente). De longe, na minha opinião, a pior característica cultural dos portugueses, a mentalidade do auto-da-fé torna inviável qualquer discussão que possa contribuir para a formação de uma opinião pública num país democrático.