17.4.07

Dona


Nas últimas décadas, com um insucesso impressionante, Portugal tem vindo a adoptar as instituições dos países anglo-saxónicos de tradição protestante. O modelo de democracia-liberal destes países está a produzir em Portugal os resultados que sempre produziu quando foi tentado - a ruína e o desprestígio generalizado das instituições do Estado.
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As universidades privadas, instituições que chegam a atingir nos países de tradição protestante um enorme prestígio, possuem em Portugal,e na sua generalidade, a respeitabilidade social que agora está à vista de todos.
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Porém, é nas relações entre homem e mulher - nas relações de família - que a transposição do modelo protestante para um país de tradição católica, como Portugal, irá fazer sentir na pele a cada português - e, especialmente, a cada portuguesa - que a cultura de um povo envolve uma vasta sabedoria escondida, acumulada ao longo dos séculos, e que não se muda a golpes de racionalismo crú.###
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Num post anterior, sob o título uma verdadeira patroa, procurei caracterizar o modelo familiar prevalecente nos países de tradição católica do sul da Europa e da América Latina, e contrastá-lo com o modelo familiar dos países de tradição protestante prevalecente no norte da Europa e na América do Norte.
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Em breve, a família de tradição católica é um sistema de autoridades hierarquizadas e especializadas, competindo à mulher o governo da casa, de que ela é a autoridade executiva, e competindo ao homem assegurar o sustento da casa, de que ele é a autoridade suprema, embora meramente simbólica. Pelo contrário, a família protestante é um sistema de autoridades iguais e indiferenciadas, onde as tarefas, as responsabilidades e a autoridade na família são repartidas de modo igualitário entre o homem e a mulher.
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Em consequência, a mulher da tradição católica desenvolveu ao longo dos séculos uma capacidade no seio da família que não está presente, em grau que distantemente se assemelhe, na mulher de tradição protestante. Trata-se da capacidade para, ao fim do mês, e em nome do governo da casa, despojar completamente o marido de tudo quanto ele ganha - e só às vezes condescendendo em que ele guarde uma pequena parcela para as suas despesas pessoais.
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Pelo contrário, na tradição protestante, homem e mulher entram em partes iguais com uma percentagem do seu vencimento - por exemplo, 50% - para as despesas comuns da família, as quais eles administram em conjunto, e guardando cada um deles a outra parte para as suas respectivas despesas pessoais - algumas das quais, é certo, efectuadas para o bem comum da família.
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Aos olhos do homem católico, a sua mulher é uma mulher cara, levando-lhe invariavel e religiosamente o vencimento por inteiro ao final de cada mês. Pelo contrário, a mulher protestante, aos olhos do seu marido, é uma mulher comparativamente barata, levando-lhe apenas uma fracção do seu vencimento ao final de cada mês, por vezes apenas metade.
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É uma lei da natureza humana que as pessoas tratam tudo aquilo que lhes é caro com um desvelo, uma preciosidade, um carinho e um respeito que não consagram a tudo aquilo que é barato e, portanto, vulgar. Daí o alto estatuto que a mulher goza no seio da família católica e que não encontra paralelo no seio da família protestante.
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O tratamento de jóia que o marido de tradição católica por vezes consagra à sua mulher está lá para lhe lembrar permanentemente que ela lhe custa os olhos da cara, e não tem correspondente em tratamento semelhante no mundo anglo-saxónico.
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A forma como ele popularmente se refere a ela perante terceiros, como sendo a patroa, ilustra bem que, lá em casa, quem controla o dinheiro é ela, não ele. O título de Dona que a mulher da tradição católica adquire com o casamento - e que não tem correspondente na tradição protestante - revela que tudo aquilo que existe em casa é dela porque foi comprado por ela - embora quase sempre, e às vezes exclusivamente, com o dinheiro do marido.
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São estes privilégios que algumas jovens portuguesas se preparam para abandonar em nome do igualitarismo que é típico do modelo familiar da tradição protestante. Mas se fosse só isto...