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Durante esse compasso de tempo, a esquerda democrática, com epicentro no PS, teve Mário Soares, António Guterres e José Sócrates como primeiros-ministros, e dois chefes de Estado – Soares e Sampaio. Constâncio e Ferro Rodrigues não chegaram ao poder, mas dificilmente se lhes poderá chamar soaristas. Isto é, provavelmente por não cultivar a ideia paternalista do exercício do poder, cujas raízes democráticas se situam no gaullismo, essa espécie de salazarismo de brandos costumes que a direita portuguesa tanto admira, a esquerda desenvolveu uma personalidade própria independente e capaz de gerar alternativas sucessivas de poder. O mesmo não sucedeu com a direita.
No momento presente, o sentimento de orfandade com que a direita portuguesa sempre viveu no regime democrático, primeiro com a morte de Sá Carneiro, depois com o abandono de Cavaco, por quem poderá ela esperar? Está provado que os carismas não se inventam, nem se decretam, como ficou bem demonstrado com o anedótico episódio de fazer de António Borges o Cavaco dos tempos modernos. Como se tem igualmente tornado uma evidência, com Santana e o mais recente Portas, que ter talento político não chega: é, também, preciso saber conservá-lo.
É neste contexto que o nome de Durão Barroso faz sentido. É certo que abandonou o país e o governo. Mas não só não foi corrido do poder, no que é caso único na III República, como avançou pelo próprio pé para um dos mais importantes lugares políticos do mundo. Os portugueses são conhecidos por terem memória curta e acabam sempre por perdoar, como teria acontecido com António Guterres, segundo indicavam as sondagens presidenciais. E, bem vistas as coisas, é para arranjar boas justificações que se inventou o marketing político.
A verdade é que, à falta de melhor, quando Durão abandonar a Comissão, com prestígio político internacional e com a memória do seu passado de primeiro-ministro bem trabalhada, terá mais do que espaço de manobra para fazer do PSD e, por extensão, da direita, o que bem entender.