A chamada "geração de ouro" do futebol português nunca conseguiu resultados significativos ao nível da selecção nacional senior. Caíu, junta pela última vez, com uma performance medíocre no Mundial da Coreia e do Japão em 2002.
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A partir de então, enquanto cada vez menos jogadores pertencentes à "geração de ouro" faziam parte da selecção, e mais jogadores novos nela entravam, mais a selecção progredia. Foi segunda classificada no Europeu de 2004, quarta no Mundial de 2006. Subiu nos rankings internacionais. E ontem, nas qualificações para o Europeu de 2008, sem ninguém da "geração de ouro" na equipa, passeou-se perante a Bélgica, ganhando por 4-0.
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Milagre? Não - a autoridade do seleccionador.###
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Nos países católicos, a autoridade centralizada e pessoalizada é essencial para o desempenho extraordinário. E Luís Felipe Scolari que os brasileiros, não despropositadamente, baptizaram de Felipão é o exemplo acabado dessa autoridade centralizada e livre capaz de fazer transcender os povos de tradição católica, de outro modo sempre humildes e derrotistas.
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Uma autoridade exige, em primeiro lugar, uma vida de boas obras. E Scolari possuía, à sua chegada a Portugal, um currículo carregado, no qual o item mais recente era o de ter sido campeão mundial pelo Brasil - uma país católico que, sendo sempre candidato ao título, há muito o jejuava.
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Porém, o reconhecimento de uma autoridade nos países católicos exige mais do que experiência, currículo, e naturalmente, idade. Exige saber praticar a autoridade. E Felipão sabe fazer isso como poucos.
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A primeira coisa que faz onde chega é excluír da selecção um jogador de craveira excepcional, com grande influência no balneário, mas que já ultrapassou o topo da sua performance. Fê-lo com Romário no Brasil e fê-lo com Vítor Baía em Portugal (e, em menor medida, com João Pinto). A mensagem não podia ser mais clara: "Aqui a única autoridade - o Papa - sou eu".
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Durante um tempo, por virtude dessas exclusões polémicas, resiste, com um silêncio inabalável, aos protestos da opinião pública e dos jornais. Nunca responde às críticas, menos ainda aos insultos, e a sua decisão mantém-se inalterável. Tendo conseguido subtraír-se à escravidão da opinião pública, a partir daí ele tornou-se uma autoridade livre.
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Num país católico, uma autoridade e livre - à semelhança do Papa - é capaz de mobilizar todo o povo e de conseguir feitos extraordinários. Na realidade, os resultados logo começaram a aparecer e, de cada vez, a autoridade de Felipão se tornava mais livre e, em consequência, melhores eram os resultados.
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Um jogador que proteste numa entrevista a um jornal por se julgar muito bom e não ser convocado, ou qualquer pressão da imprensa para convocar um jogador, significam que, enquanto os protestos ou a pressão durarem, o jogador não vai ser convocado. Com o tempo, os jogadores vão aprender e a imprensa desportiva também. Vão aprender a calar-se e a respeitar a autoridade do seleccionador.
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Quaresma era um caso típico. No final do jogo, em entrevista à televisão, Felipão afirmou-se muito satisfeito com a exibição do jogador - pois não!. E acrescentou um pormenor curioso: "Dei-lhe toda a liberdade". Claro, bem ao jeito da tradição católica, jogador (ou clube de jogador) que não consteste a sua autoridade, tem toda a liberdade. Da mesma forma que, num país católico, quem não contesta a autoridade do Papa tem toda a liberdade para dar largas ao seu catolicismo ou à ausência dele, ou até para o detestar.
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Scolari fala pouco em público, uma faceta essencial para guardar a sua autoridade. Em certa altura recente cometeu, na minha opinião, o erro de participar numa campanha publicitária, suponho que em favor de um Banco. Foi um erro, porque uma autoridade nunca apela à multidão.
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Ele trata os jogadores como se fossem filhos dele. Se os jogadores falham e os resultados não acontecem, ele assume as responsabilidades e nunca critica os jogadores. Pelo contrário, defende-os sempre e enaltece-os. Se ele tem de tecer algum comentário desfavorável em público acerca de um jogador, o caso está mal parado - para o jogador.
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Como autoridade livre que é, ele permitiu-se ontem colocar em campo jogadores inexperientes nestas andanças, com o João Moutinho e o Nani. Os resultados não podiam ser outros - extraordinários. Este seleccionador ainda vai levar Portugal a campeão da Europa, senão mesmo do Mundo.