12.3.07

Pergunta o João Miranda...

«Qual é o catolicismo dos portugueses, o do culto das senhoras e dos santos, que mais se parece com uma religião politeísta, ou a religião oficial da hierarquia?»

Realmente o dito "catolicismo" dos portugueses oscila entre uma imensidão de santos, santinhas e de adoração a figuras mais ou menos divinizadas, por um lado; por outro, na ideia, muito comum nalguma direita conservadora, de respeito quase de caserna pela "tradição", pela "ordem estabelecida", de obediência às convenções que estão. Para esta segunda vertente, a questão religiosa, em si mesma, é indiferente. A fé transforma-se numa atitude social e política, completamente despreendida do sagrado: "devemos defender que as coisas são assim não porque as coisas sejam assim mas porque se deve defender publicamente que as coisas sejam assim". É a posição que me causa mais asco e a que tomou, fogosamente, a dianteira na parte final da campanha do "Não" no último referendo (ver cartoon de Rui, publicado na Visão).
A primeira vertente, a que dedica as suas preces a um altar tão preenchido que quase parece hindú,
há muito, também, por razões diametralmente distintas, perdeu praticamente toda a sua ligação com o teológico - já não é religião mas pura e simples superstição. Traduz-se no culto dos amuletos, das imagens que se colocam cuidadosamente no meio dos livros escolares, das relíquias benzidas, nas persignações e demais sinaléticas dos jogadores de futebol, dos relatos de curas milagrosas por intermédio de reportagens televisivas, são o pagamento das promessas mais por receios de eventual castigo do sobrenatural do que por motivos de fé. São as beatas que levam os filhos com problemas à bruxa com vista a colocar um fim ao "feitiço". São as explicações milagreiras para os factos normais da vida e o refúgio em "macumbas" para fazer frente às adversidades. Tantas vezes, o destino destes segundos é serem politicamente instrumentalizados pelos primeiros.
Restam poucos, muito poucos, que têm as suas convicções religiosas bem sedimentadas e que raramente fazem confusão entre a fé e as suas multiplicidades adjacentes. Esses, fora do âmbito das seitas e desdenhados pelas hierarquias da organização, pela sua raridade já quase se encontram no domínio da espécie protegida e só merecem recato e respeito.