Resposta ao Daniel Oliveira:
1. O Daniel Oliveira diz que eu mudei de posição e que agora sou a favor dos subsídios do estado à cultura. Gostava que o Daniel me indicasse uma frase minha onde eu defenda que o estado deve subsidiar a cultura.
2. Há uma diferença entre um estado que tem determinados valores e um estado que os procura propagandear por todos os meios ao seu dispôr. Existe uma boa forma de o estado democrático não propagandear valores contrários à sua natureza. Basta que não faça propaganda nenhuma. Se o fizer, tem obrigação de ser pluralista e de permitir todas a espécie de propaganda.
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3. Não vejo como é que a neutralidade do estado possa impedir o ensino público. Até porque é suposto o ensino público ser neutral. O Daniel diz que "A Escola Pública não ensina, para ser pluralista, as teorias negacionistas do Holocausto, por exemplo". Mas se não ensina se calhar devia ensinar. É que o pluralismo no ensino é um bem em si mesmo. Permite aos estudantes avaliar teorias concorrentes de acordo com os méritos que têm. Mas creio saber qual é o problema do Daniel. O Daniel confunde "ensinar" com "doutrinar". Claro que se tivermos um ensino doutrinal, daquele em que, em vez de se analisarem os factos criticamente, se tenta impingir valores às criancinhas, então o ensino pluralista é perigoso. Mas o problema não está no ensino pluralista, está no ensino doutrinal.
4. Mesmo que a neutralidade do estado impedisse o ensino público, não vejo qual o problema.
5. O Daniel diz que "Cada Estado tem a sua "verdade histórica", a sua "verdade ética" e até a sua "verdade cientifica" (a teoria da evolução, por exemplo)". Ora, eu não sabia que a Verdade depende de quem a tem. E sempre pensei que a teoria da evolução é uma teoria científica sujeita, como tal, ao escrutínio da crítica. Mas percebo que quem tem uma visão doutrinal do ensino deseje converter a teoria da evolução num dogma. O problema é quando aquilo que se converte em dogma está totalmente errado.
6. O Daniel diz: "Curiosamente, ainda há uns meses João Miranda achava que o Estado devia decidir quando começa a vida e definir uma pena de prisão para quem não aceitasse essa sua certeza moral." Desafio o Daniel a encontrar nos arquivos do Blasfémias um texto meu onde eu tenha defendido que o estado deve decidir quando começa a vida ou onde tenha defendido que deve haver uma pena de prisão.
7. Já agora, o ponto onde começa a vida não é uma questão moral. O ponto onde começa a vida é uma questão científica.
8. É curioso que o Daniel tenha ido buscar a questão do aborto quando se discute subsídios à cultura. Para o Daniel todas as intervenções do estado estão no mesmo plano. Tanto faz falar em subsidiar cultura como falar em resolver um potencial conflito entre duas pessoas. Parece que tanto num caso como noutro a legitimidade para o estado interferir é a mesma.
9. O Daniel diz que nunca falou de comités de historiadores nem da "verdade histórica". Pois, mas também não explicou como é que o estado aplica o critério do Daniel de acordo com o qual não devem ser subsidiados projectos que não respeitem a verdade histórica. Se não é com uma comissão de historiadores, é como?
10. O Daniel diz que eu aplaudi o fim dos subsídios ao Teatro de Plástico do Porto. Ora, isso não é possível. Primeiro porque a discussão a que o Daniel se refere era uma discussão sobre o Rivoli despoletada pelo facto de Rui Rio ter decidido privatiar a gestão e não pelo facto de terem sido retirados subsídios ao Teatro Plástico. Segundo porque o que eu fiz na altura foi analisar a situação de várias perspecivas nunca tendo aplaudido o que quer que seja.
11. Mas acho curioso que o Daniel tenha escrito que eu neste post berro contra os subsídios ao Teatro Plástico. O post é uma análise de uma contradição da esquerda, não é uma opinião sobre os subsídios ao teatro plástico.
12. O Daniel tenta encontrar uma contradição entre a minha posição em relação ao Rivoli e a minha posição em relação ao Museu Salazar. Alega que eu no caso Rivoli fui contra os subsídios e no caso Museu Salazar sou a favor. Pois não existe contradição nenhuma. Primeiro porque eu em Outubro limitei-me a fazer uma análise geral sobre os subsídios à cultura e a desmontar a ideia de que a privatização da gestão do Rivoli é equivalente à privatização do Rivoli (está tudo neste marcador: Série: cultura de plástico). Segundo porque eu não defendi que a Câmara de Santa Comba deve subsidiar o Museu Salazar. Limitei-me a criticar aqueles que, sendo a favor dos subsídios do estado à cultura, querem limitar o direito de uma câmara que não é a sua a subsidiar o que entender.
13. Pode-se ser contra os subsídios por se defender que o estado não deve tomar decisões culturais. E Pode-se ser contra um deteminado subsídio por razões de conteúdo. No primeiro caso não se defende a censura, no segundo defende-se.
14. Um ponto fundamental nesta discussão é o estatuto das autarquias. As autarquias têm autonomia política desde o 25 de Abril. Essa autonomia política dá-lhes poder total sobre o seu orçamento. As verbas do orçamento por sua vez são reguladas pela lei das finanças locais. Qualquer tentativa do estado central para condicionar a forma como as autarquias gerem o seu orçamento seria um retrocesso ao modelo salazarista de poder local em que o estado central tudo controlava. De acordo com os vários comentários que fez, o Daniel parece querer voltar a esse modelo. Aliás, o Daniel tem revelado uma perspectiva centralista do estado democrático, muito mais centralista do que a prática actual.
15. O Daniel diz que "tem duas vantagens com democracia: os governos são eleitos e João Miranda pode mudar o Estado e os seus valores através do seu voto". Pois, mas um a democracia com autarquias com política cultural autónoma tem duas vantagens adicionais: é mais fácil a um indivíduo mudar a política de uma autarquia e quem não conseguir pode sempre mudar para a autarquia vizinha. É por isso que é diferente discutir os subsídios do estado central à cultura de discutir os subsídios de uma autarquia.
16. O Daniel diz que o "Loose Change" e o "Fahrenheit 9/11" não foram produzidos pela RTP.Pois não foram, mas o problema coloca-se à mesma porque os transmitiu sem respeitar os critérios de rigor histórico que o Daniel agora defende para os casos em que está envolvido o Salazar.