3.3.07

«Visto»

Num país totalmente centralizado e com cultura autoritária, toma-se como normal que uma decisão, que afecta um pequena freguesia com duas ou três centenas de pessoas ou um concelho com 2750 habitantes, seja tomada por uma única pessoa que nunca foi a tais locais, e que tudo decide num gabinete, distante a pelo menos de meio dia de viagem. Entende-se como normal que só com essa pessoa os representantes daqueles poucos cidadãos é que terão de negociar, concordar, divergir ou contestar. ###

É o caso de Portugal.
A todos parece normal que o fecho de uma escola primária, a contratação de vigilantes, a reclamação por obras num recinto desportivo escolar, o fecho de uma maternidade, de uma urgência, o horário de funcionamento e o número de profissionais necessários, sejam decididos por uma única pessoa: o ministro/a. Em Portugal, mesmo contando com centenas de milhares de funcionários, de administrações ditas regionais, sub-regionais, concelhias, os mais diversos institutos, comissões, observatórios, o diabo a quatro, mesmo assim, a decisão sobre coisas tão comezinhas considera-se normal que dependa de uma única pessoa.

E os representantes e os cidadãos directamente afectados por tais decisões, mantêm e alimentam o monstro. Em nenhum caso (ou muito raramente), contestam tal esquema, preferindo tratar com «quem decide» e não com uns irrelevantes, inócuos e burocratas funcionários, que, por mais perto que estejam, por mais conhecimento directo da situação tivessem, por mais abertos a soluções locais estivessem, sempre, mas sempre estariam dependentes da assinatura do «senhor ministro/a».

Também nunca passa pela cabeça dos cidadãos ou do seus representantes resolverem directamente os seus problemas, pois, dizem, tudo esta sempre dependente, ou de uma autorização ou parecer que nunca mais vem, de uma «vaga a criar», de um terreno que vai ser cedido, ou, (mais comum), de uma verba do orçamento do Estado ou a incluir num projecto de um qualquer programa de «apoio».
Os cidadãos, a associação de pais, os utentes, a escola, a junta de freguesia ou os municípios afectados tomarem em mãos a resolução dos seus problemas? Isso é que não! Recolher fundos, cobrar serviços, lançar impostos locais, reafectar verbas orçamentadas com vista a assegurar os interesses das pessoas? Impossível. O Estado, o senhor ministro, é que tem de resolver o problema.

Uma junta da freguesia queixa-se do fecho da escola. Algum levanta a hipótese de os pais assumirem a gestão (e orçamento) da mesma? Ou a junta? Ou lançar uma quotização, uma taxa ou mesmo um imposto local? Nã! Há falta de um médico ou de um vigilante? Pois nunca se defende que seja a junta a contratá-lo, ou a Casa do Povo, ou que a câmara que o vá buscar a Espanha. Curiosamente, as câmaras municipais são pródigas na criação de Serviços Camarários, Divisões Municipais e mesmo Empresas Municipais para tudo e mais alguma coisa: desde o saneamento, habitação, construção civil, ambiente, cultura, juventude, gestão de parques desportivos ou industriais. Mas curiosamente, empresas gestoras de parques escolares ou de prestação de cuidados de saúde é que não há.

É sob estas formas doentiamente cíclicas, atrasadas, pobres, de chapéu na mão, pedinchas, ou arruaceiras, cortando estradas, viajando de camioneta até à porta do ministério, que os governados lá se vão sempre mantendo dependentes dos senhores ministros. E que, ao fim e ao cabo, e na hora da inauguração do recinto prometido/pretendido, lá estará a descerrar uma placa...com o seu nome!
Bem hajam por tudo o que nos dão!