26.6.04

IMPERDOÁVEL



Coloquemos à margem as questões de ordem moral.
A política e ela nunca se entenderam muito bem e não será agora, por Durão Barroso ter abandonado o governo de Portugal, que a devemos introduzir num mundo que não é seu. Quem se atrever a pensar que o livre-arbítrio, a decisão individual entre o bem e o mal, são critérios de aferição das escolhas políticas, arrisca-se às mais duras desilusões. O ainda primeiro-ministro de Portugal, confrontado com a opção de ir para Bruxelas, onde desempenhará um dos mais prestigiados lugares de liderança política mundial, e deixar-se ficar na chefia do governo de um país pobre, subalterno, por um período de tempo que nem ele próprio conseguiria determinar, fez a sua escolha. As considerações que há que ter em conta devem ser exclusivamente de ordem política. Apenas.

Recordemos que Durão Barroso chegou ao governo no seguimento da demissão de António Guterres. Ao fim de seis anos, a meio da sua segunda legislatura, sem maioria absoluta na Assembleia da República, e depois de umas eleições autárquicas onde o seu partido perdera em toda a linha. Guterres, a quem no final do primeiro mandato os líderes europeus também acenaram com a presidência da Comissão Europeia, entendeu que não tinha condições para continuar, demitiu-se e pediu ao Chefe de Estado que antecipasse as eleições legislativas, de modo a evitar o agravamento da situação pantanosa em que o país se encontrava.

A partir desse instante, e até há dois dias ou três, a principal bandeira que o PSD agitou em relação ao PS, foi a de que tinha sido obrigado a assumir responsabilidades governativas intempestivamente, porque o anterior primeiro-ministro «fugira» das suas responsabilidades e do estado em que deixara Portugal. O novo primeiro-ministro e líder do PSD, prometeu aos portugueses que seguraria firme o leme, e conduziria Portugal a um destino seguro. Garantiu que os sacrifícios que nos pediu e impôs eram a bem do país, e que valeria a pena fazê-los, porque a recuperação seria uma realidade e a vida de todos nós acabaria por melhorar. Disse-nos que a sua acção no governo só poderia ser julgada no fim dos quatro anos da legislatura, quando ele prestaria as contas finais do seu primeiro mandato.

Hoje, o homem que um dia disse que sabia de ciência certa que um dia seria primeiro-ministro de Portugal abandonou o governo. Ao fim de dois anos de funções. Certamente que existirão razões patrióticas que o levaram a isso. Sem dúvida que, em Bruxelas, à frente da Comissão, o ainda primeiro-ministro de Portugal poderá zelar pelos nossos interesses com meios e recursos que aqui nunca poderia sequer sonhar. Estas e outras explicações hão-de ser dadas e juradas por quem cá ficar. Entretanto, eu não sei se o Dr. Barroso deixa um país em melhores condições do que o que herdou há dois anos. Nem sei se o futuro da coligação que o apoiava, e que ainda há poucos dias se jurava ser para durar, tem condições de legitimidade política (esqueçamos as formalidades constitucionais) para governar Portugal. Não imagino se Santana Lopes poderá ser um nome consensual dentro do PSD e da coligação, ou se a guerra pela sucessão já eclodiu. Não faço ideia que posição tomará Paulo Portas, ele que, a bem da sacrossanta estabilidade, andou caladinho nos últimos dois anos. Não concebo quem possa substituir Santana na Câmara de Lisboa, nem se Sampaio se recusará a exercer os seus poderes constitucionais de dissolução da Assembleia.

Mas, o que julgo saber é que não foi por isto que os portugueses votaram no PSD. Não foi para isto que eles elegeram Durão Barroso. Que se sacrificaram a seu pedido, convencidos agora, que o pior já tinha passado.
Os portugueses podem ser um povo triste e amesquinhado com o seu destino e a sua História recentes. Mas têm boa memória. Sabem muito bem distinguir o que lhes foi prometido e o que lhes foi dado.
O PSD que se cuide.