27.6.04

A QUASE INEVITABILIDADE DE ELEIÇÕES ANTECIPADAS

1. O nosso sistema de governo permanece, segundo a Constituição da República Portuguesa, semipresidencialista, apesar da atenuação sofrida em relação à matriz original de 1976, que lhe foi imposta pelas Leis de Revisão de 1982 e 1989.

2. Nessa medida, «o Governo é responsável perante o Presidente da República e a Assembleia da República» (artº 190º CRP), o que significa que só com a confiança de ambos se poderá manter em funções. Ter e manter uma maioria absoluta na AR pode não ser suficiente. Mário Soares, por exemplo, ponderou demitir o 2º Governo de maioria absoluta de Cavaco Silva, quando este, a um ano de eleições, anunciou que não se recandidataria às funções de Primeiro-Ministro.

3. A substituição de membros do Governo a que se refere o artº 185º CRP, nomeadamente do Primeiro-Ministro na sua ausência ou impedimento, tem em vista situações transitórias e não definitivas. O pedido de demissão do PM implica a demissão do Governo (artº 195º, nº 1 al. b)).

4. O que não significa forçosamente a dissolução da Assembleia da República. Esta poderá suceder se o PR assim o entender, no que dispõe de um poder discricionário, se julgar que essa é a melhor maneira de assegurar a estabilidade governativa. Para o efeito deverá ouvir os partidos com assento parlamentar e o Conselho de Estado (artº 133º, al. e)). Se entender que pode encontrar uma solução governativa estável no quadro parlamentar existente, convida o partido com maior representação a indicar um PM. Se essa não for a sua convicção, dissolve a AR e convoca eleições legislativas antecipadas.

5. O sistema partidário e eleitoral em vigor levou à descaracterização da ideia de representação. Na verdade, a generalidade das pessoas vota em convicção num candidato a líder do governo e não nos candidatos a deputados à AR. Por isso, as campanhas são personalizadas nos líderes dos partidos e nas propostas que eles têm para o país.

6. Se o líder desaparecer, mesmo que permaneça a base parlamentar maioritária, esvai-se a legitimidade democrática.

7. Razões pelas quais, dificilmente o Presidente da República poderá evitar a dissolução da AR e a realização de eleições legislativas antecipadas.

8. Mais ainda, quando toda esta situação ocorre duas semanas depois de uma eleição, onde os partidos da maioria sofreram uma pesada derrota, que os seus próprios dirigentes declararam publicamente entender ser um aviso ao governo.