27.11.06

Friedman e o Chile

No Blogoexisto, João Pinto e Castro gastou 7 posts a explicar que o comportamento de Milton Friedman em relação ao Chile de Pinochet foi vergonhoso, baseando-se na transcrição de um artigo publicado num boletim da esquerda americana, Counterpunch.

Confesso que esta análise me faz uma alguma comichão nos neurónios. Ignora o essencial: O Chile é hoje uma democracia consolidada, o país mais rico da América Latina, já está a par da Argentina no Índice de Desenvolvimento Humano e ainda é o primeiro no Índice de Liberdade Económica. E tudo isto foi conseguido com a assinatura dos Chicago Boys.

Vergonha, escreve João Pinto e Castro. Vergonha? Como é que alguém pode sentir vergonha em tamanho sucesso? Ao invés, imagino o profundo orgulho com que Friedman olhava para a obra dos seus alunos.###

É óbvio que o Chile era uma ditadura e que o regime de Pinochet conta com cerca de 3000 vítimas no cadastro. Mas depois da perseguição sanguinária aos adversários políticos, o regime soube reformar uma economia em cacos e permitir aos chilenos a melhoria gradual do seu nível de vida. E como gente rica educa-se e gente educada não aceita ditaduras, o Chile transformou-se numa democracia, sem recurso a mais golpes de estado predadores, numa transição pacífica que deveria servir de modelo a outros ditadores latinos.

Há uma estranha dualidade de análise nestas questões. Por exemplo, ao mesmo tempo que se exige o fim do "embargo" a Cuba, cujo efeito é praticamente nulo mas, argumenta-se, prejudica principalmente a população mais pobre, critica-se a abertura que enriqueceu os chilenos e quem ajudou a esse enriquecimento. De um lado, protesta-se com quem ajudou um país que vivia em ditadura. Do outro critica-se quem não ajuda um país que vive em ditadura.

Não é só em relação ao Chile que esta atitude se faz notar. Ao mesmo tempo que se crucifica o investimento estrangeiro que tem permitido a centenas de milhões de chineses abandonar uma vida nos limites da subsistência, não se notam quaisquer protestos contra os investimentos no turismo em Cuba, apesar do regime de Fidel contar um rol de vítimas bem mais extenso que o regime de Pinochet.

Lêem-se por aí mais censuras a investimentos como os da Nike e da Intel no Vietname, investimentos que permitem melhorar a vida de milhões de vietnamitas, do que reprimendas ao regime comunista que ajudou a espalhar e a manter na miséria a quase totalidade da população. O silêncio acompanhou a fase de empobrecimento, os protestos acompanham as tentativas de recuperação.

No Chile, Allende, democraticamente eleito, destruiu a economia em menos de 3 anos. Os Chicago Boys, protegidos por uma ditadura, demoraram bastante mais tempo a reconstruí-la. Hoje, o Chile tem a economia e a democracia. Podemos culpar Allende pela tragédia económica e social e obviamente, muito mais devemos criticar Pinochet pela repressão e pelos assassínios. Mas se no meio disto tudo há motivo para vibrantes aplausos, estes devem ir justamente para Milton Friedman e para os Chicago Boys.