10.3.07

«Pensamento desejante»

Pedro Arroja, numa série de postas e comentários, aqui publicados, tem vindo a defender basicamente que: o período da ditadura do Estado Novo foi o período de maior progresso económico no últimos «300 anos». E que tal facto seria uma consequência meritória do regime, nomeadamente por este ter uma natureza de «autoridade» adaptada a eventuais «características dos nacionais», correspondendo a um hipotético modelo e cultura católica tradicionais.
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Se no que diz respeito ao progresso económico evidenciado durante aquele regime se pode considerar tal um mero facto, há muito conhecido e reconhecido pelos estudiosos pois decorre da simples análise estatística, não se demonstrando necessárias quaisquer «proclamações», já no que diz respeito a uma suposta «superioridade» de tal regime, foi aqui tal ideia fortemente contestada.

Como bem sintetiza João Miranda a questão: «Eu nunca contestei que o crescimento económico foi maior no Estado Novo.
O que eu contestei foi a sua tese de que tal se tenha devido à superioridade do regime do Estado Novo em relação ao regime democrático. A sua tese de que o crescimento do estado novo prova que o Estado Novo contribuía mais para o crescimento que a Democracia baseia-se na comparação de períodos económicos incomparáveis sem corrigir dois factores óbvios: a demografia e o diferencial do PIB em relação ao exterior

Desde o início da discussão se levantou a questão fundamental de se saber até que ponto o regime e o seu principal actor teriam tido responsabilidade ou mérito em tal resultado, ou se, pelo contrário, tal teria dependido de outros factores que não a alegada natureza «propiciadora» ou acção da ditadura.

De um facto que não é contestado (o progresso económico naquele período), PA tem defendido que esse resultado seria fruto da natureza do regime, em elaborações politico-filosóficas sem base factual, sendo que à contestação apenas tem conseguido remeter para o único facto em que todos estarão de acordo. Como se de um facto não fosse necessário provar ou argumentar as conclusões que tira.... Tal sim, poderá ser dignado como «pensamento desejante».....
E se no meu comentário não apresentei números para suportar os meu argumentos, foi porque o que eu contestava era igualmente só «conversa», também sem números.
Mas, adiante.

Vejamos então alguns factos.

1. Afirmei que «Durante 34 anos (2/3 da duração da ditadura), o pib per capita dos portugueses situou-se sempre por volta dos 40% da média europeia.». O que sempre demonstraria a relativa inoperacionalidade do regime para realizar alterações estruturais, indiciando que quando as mesmas ocorreram, não teriam resultado da sua acção, mas de factores essencialmente externos. Onde é que fui buscar tal facto? Ao artigo que PA cita: -Catching up to the European core: Portuguese economic growth, 1910-1990, ICS Working Paper 1-2003 de Pedro Lains. (ver página 35, graph2).

2. Também indiquei que «a grande maioria da população situava-se no sector agrícola, sendo que este sector económico, até esse momento se manteve responsável pela maioria do pib nacional». Ora, a preponderância desse sector, numa fase já adiantada de industrialização global, é sintoma da manutenção de uma estrutura económica pobre e empobrecedora. «Com efeito, acompanhando o crescimento global da população resultante do crescendo dos saldos fisiológicos e da quebra dos ritmos anuais de emigração – a população agrícola aumentou 15% em face de 1900, ou seja, um aumento de 20% entre 1926 e 1950» (J.Cabral Rolo, «População, Agricultura e espaços «rurais» de Portugal no século XX»).

3. Perante o facto de a partir do início da década de 60, Portugal ter enfrentado um forte crescimento, coloca-se a óbvia questão do seu porquê. Indiquei alguns factores: abertura económica parcialmente forçada por condições externas, emigração e remessas. Tem tais argumentos fundamentação? Parece que sim:
«... Portugal experimentou um processo de abertura e integração económica (o país tinha integrado a OCDE em 1948) acelerado nesta década com a adesão à EFTA (1958) (seguida das adesões ao Banco Mundial e ao FMI em 1960 e ao GATT em 1962). Pode argumentar-se que o país foi forçado a encetar o processo de integração económica pela criação da EFTA por iniciativa da Grã- Bretanha, uma vez que o seu comércio externo estava fortemente dependente deste país. O grau de abertura da economia portuguesa subiu de 14% em 1959 para 25% em 1973 e de 1960 para 1964 as exportações aumentaram o seu peso no PIB de 23% para 34%. O desmantelamento aduaneiro reflectiu-se no total das receitas de direitos aduaneiros que baixaram de 12% das importações em 1959 para 7,3% em 1967 (Mateus, 1998). Contudo, Macedo, Corado e Porto (1988) calculam que houve uma subida da taxa de protecção efectiva de 1964 para 1970 (de 25 para 28%)». (em Tiago Neves Sequeira, «Crescimento Económico no Pós-guerra: os Casos de Espanha, Portugal e Irlanda»).

4. Dados sobre emigração, são estes:

5. Sobre o peso e influência das remessas dos emigrantes no crescimento económico, ver Helena Patacão: «A evolução das remessas de emigrantes, ao longo do período considerado, revela claramente o peso que estas tiveram enquanto factor de equilíbrio da balança corrente, permitindo que se registassem excedentes na maior parte do período em análise, ou seja, as remessas mais do que compensavam os défices crónicos da balança comercial (em 1973, as remessas representaram cerca de 124% daquele défice). Esta evolução contribuiu para o acumular de reservas em ouro e divisas, atingindo-se, em 1973, o montante de 860 toneladas de ouro, situando-se as reservas totais em 111 milhões de contos. Parece claro que, sem esta contribuição, a economia portuguesa teria crescido, ao longo do período, a uma taxa menor devido às restrições impostas pelo equilíbrio externo

6. Por fim, talvez convenha ter presente que o crescimento económico de Portugal nesse período não foi nenhuma excepção no contexto europeu:
«O período entre 1913 e 1975 foi marcante na história do crescimento económico moderno, pois a sua primeira metade (1913-45) assistiu à diminuição da tendência secular de crescimento e a segunda (1945-1975) registou um aumento significativo dessa tendência. Este último período resultou numa convergência dos rendimentos per capita que pode ser vista como o efeito de uma convergência social e institucional mais lata (Crafts e Toniolo, 1996). Na Europa, o crescimento económico nos vinte e cinco anos que antecederam 1973 ultrapassou o crescimento de qualquer período anterior ou posterior.
Os dados da tabela 1 ilustram o referido
















(Tiago Neves Sequeira
, «Crescimento Económico no Pós-guerra: os Casos de Espanha, Portugal e Irlanda»).

Nesse grupo de países, alguns tiveram crescimentos médios superiores ao caso português, sendo democracias e tendo uma base populacional maoritáriamente católica (caso da França e da Itália) ou protestante (caso da então República Federal da Alemanha). Assim, a questão da eventual adequação do regime a um modelo ou base sócio/religiosa não tem qualquer sentido, como justificativa ou condição necessária para a produção de certos efeitos.

Acho que Quod Erat Demonstratum.