5.6.07

Suspensão automática de mandatos autárquicos *

Se as notícias que estão a vir a público se confirmarem - e só nesse caso - as intenções governamentais parecem-me marcadamente inconstitucionais:
- Ninguém pode ser sancionado (significando que se vê sujeito a um resultado indiscutivelmente desfavorável, i.e. que provoca uma diminuição de direitos na sua esfera jurídica) em consequência automática de ser arguido com acusação deduzida;
- O art. 32.º, nº 2, da CRP, estabelece a presunção de inocência até à condenação com sentença transitada em julgado - aliás, o nº 4 do art. 30.º diz que "nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos": ou seja, esta medida legislativa poderá ir tão longe no seu alcance que ultrapassará aquilo que está constitucionalmente estabelecido para a pena obtida através de sentença judicial;
- Note-se, ainda, que se esta medida for em frente será o Ministério Público a decidir a queda do autarca e nem sequer uma sentença judicial emanada por um juiz de direito;
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-A intenção anunciada fere, ainda, o princípio da igualdade - já que se aplicará apenas a autarcas e não a outros titulares de cargos políticos;
-Dado que esta medida, a acontecer, se inserirá no contexto de uma lei de tutela sobre as Autarquias Locais (i.e. o poder de intervenção do Estado-Governo sobre as autarquias que hoje é quase só de timbre inspectivo-fiscalizador) essa lei corre o seriíssimo risco de se tornar inconstitucional, também, por cercear o núcleo duro de um princípio constitucional, o princípio da autonomia local - art. 6º, CRP - que, aliás, está consagrado num instrumento de direito internacional, a Carta Europeia da Autonomia Local, que Portugal subscreveu.

  • A meu ver, estamos, essencialmente, perante uma manobra política que visa atrapalhar Marques Mendes: o ainda presidente do PSD propalou uma doutrina, uma "tese mendista" que se revelou uma desgraça política e um pontapé na lógica do direito.
  • Para além deste anúncio surgir num momento de especial oportunidade política, no meio da pré-campanha eleitoral para a Câmara de Lisboa, precisamente na altura em que Carmona Rodrigues apresenta uma lista com vários arguidos à espera de acusação.
  • Das duas uma: ou houve contágio ou querem confrontar Mendes com a sua própria teoria e Carmona com a sua aplicação.
  • Mas está inventado o método mais rápido e eficaz de derrubar autarcas.
  • De todo o modo é uma utilização do poder judicial no pior sentido - não é só a judicialização das autarquias (que pode ter aspectos positivos, ou seja os Tribunais devem fiscalizar o poder local) mas sim a politização do poder judicial…
* Breves tópicos de uma intervenção