31.7.07

Cristiano Ronaldo tirou a camisola em Teerão...*

e o estádio estava cheio de mulheres. No dia em que este título for possível , os fundamentalistas islâmicos terão certamente razões para ficar preocupados. O futebol, jogo do qual nada sei nem penso vir a saber, tem essa capacidade de mostrar o melhor e o pior do quotidiano. Cheguei a esta conclusão após ler inúmeras notícias sobre Portugal, nos anos sessenta.Tal como muitos dos preconceitos dos portugueses, identificassem-se eles com a oposição ou com o regime, caíam por terra de cada vez que o Benfica entrava em campo capitaneado por Mário Coluna e tendo como estrela Eusébio da Silva Ferreira, também uma certa brisa correrá no bafio dos costumes islâmicos quando as iranianas puderem observar no corpo de alguns jogadores, dos quais Cristiano Ronaldo é um excelente exemplo, a inspiração e alegria de deus quando criou o homem. ###
Curiosamente às iranianas, tal como aconteceu aos portugueses durante a ditadura, não lhes faltam uns inevitáveis estrangeiros que, fartos de viver bem nos seus países de origem, lhes garantem ser a falta de liberdade um mal menor face ao desconcerto do mundo. Por exemplo, de viagem pelo Irão, não concluiu Gonçalo Cadilhe que aquele país «é melhor para as mulheres que optam por uma carreira profissional»? E para que não restassem dúvidas, o viajante-repórter explicou nas páginas do Expresso: «enquanto na nossa sociedade, dominada pelos homens, a discriminação sexual cria uma barreira subtil mas efectiva à ascensão hierárquica das mulheres, no Irão a separação efectiva dos sexos cria uma sociedade dividida em duas metades, com as oportunidades profissionais repartidas igualmente entre homens e mulheres.» Dir-se-á que Gonçalo Cadilhe é homem, não sabe do que fala e que os textos de viagem custam a escrever. Talvez. Mas o que dizer então da extraordinária vestimenta com que uma jornalista da RTP se terá apresentado durante uma entrevista com o embaixador do Irão, em Lisboa? Sobre esta entrevista estou como S. Tomé: não vi. Logo, espero que Pacheco Pereira estivesse distraído quando escreveu no seu blogue que no écran estava «uma jornalista da RTP a entrevistar o embaixador do Irão em Lisboa, com véu, vestida até à nuca de escuro e com luvas pretas». Mas, se isto for verdade, cabe perguntar: iria a jornalista apenas coberta por uma tanguinha feita de missangas e pulseiras de conchinhas nas pernas se o entrevistado fosse o rei da Suazilândia?
Manda o bom senso e a democracia que os jornalistas não se apresentem de modo a que choquem os seus entrevistados, mas isso nada tem a ver com esta macacada em que se vestem véus tidos como islâmicos com o mesmo espírito com que em crianças, pelo Carnaval, nos vestíamos de damas antigas. Não sei se a televisão iraniana vai mostrar imagens desta entrevista. Mas, caso seja verdade que ela aconteceu naqueles moldes, estamos perante uma excelente peça para a propaganda fundamentalista. Com imagens destas, Teerão nem tem de se preocupar com a edição, como aconteceu durante o último Mundial de futebol. Aos mais esquecidos recordo que a FIFA deu instruções para que, nos jogos a serem transmitidos para o Irão, as câmaras não focassem os grupos de mulheres que, nos estádios da Alemanha, assistiam aos jogos. Elas, sim, e não a jornalista velada, são a imagem de algo que Teerão não pode tolerar. Tal como Eusébio a chorar em Wembley ou Cristiano Ronaldo a correr em tronco nú pelo estádio, elas representavam aquele momento em que todas as regras se podem desmoronar. E é esse momento que os fundamentalismos temem.

*PÚBLICO, 30 de Julho