Vai grande escândalo na pátria por causa das criancinhas contratadas para fazerem de conta que eram alunos na sessão de apresentação do Plano Tecnológico da Educação. Não percebo porquê. Como sabe qualquer pessoa que tenha os filhos nas escolas públicas, estas não funcionam nesta época do ano, logo as criancinhas só por intervenção divina ou contratação terrena ali estariam.
Como bem respondeu à jornalista o rapaz que fazia de aluno «Chamaram-me para uma publicidade e estou aqui agora». Esta criança é um analista de primeira linha porque na verdade definiu muito bem não apenas a sua situação mas também a nossa: chamaram-nos para uma publicidade e aqui estamos. Pois não sendo este governo o primeiro que chama os portugueses para a publicidade, caracteriza-se pelo facto de não nos suportar em qualquer outra ocasião. ###Os únicos acontecimentos em que o governo se sente à vontade são aquelas sessões em que nos garante que a nossa vida vai mudar radicalmente em consequência duma nova tecnologia para a qual o executivo nos vai mobilizar. Estes anúncios sucedem-se a uma velocidade tal que esquecemos rapidamente os anteriores. Por exemplo, onde páram os dez milhões de caixas de correio electrónicas que os CTT lançaram em 2006 e que custariam a módica quantia de 2,5 milhões de euros?
Contudo o quadro interactivo agora anunciado pelo governo é muito mais patético do que a caixa electrónica que os interessados têm de activar através duns procedimentos contemporâneos do papel selado. É mais patético porque, ao escutar-se Sócrates a explicar as maravilhas do dito quadro, se percebe como ele acha que tudo se resume aos adereços. Ao contrário do que afirmou o nosso primeiro-ministro a relação professor-aluno não muda por causa dum brinquedo que desenha de forma perfeita os ângulos dos losangos. O quadro interactivo não faz falta alguma ou melhor dizendo faz tanta falta quanto antes deles fizeram os ainda recentes acetatos ou já os desaparecidos flanelógrafos: se o professor for bom e se a turma estiver motivada esses objectos ajudam a tornar mais interessante aquilo que já o é. Caso contrário, ou seja, se o professor for mau e se os alunos não estiverem interessados, então todas essas apregoadas maravilhas se transformam numa tralha grotesca.
Mais do que os edifícios e do que os equipamentos, as escolas são as pessoas. E não apenas os professores e os alunos. Por exemplo, muitas das mais graves agressões registadas nas escolas acontecem porque existem espaços e horários em que não se avista um funcionário, vulgo contínuo. Quando agora se anuncia a instalação de sistemas de alarme e de videovigilância nas escolas «para protecção externa e salvaguarda do investimento de que os estabelecimentos têm sido alvo» não faria mais sentido optar-se por reforçar a componente humana dessa vigilância? O principal objectivo da vigilância, acreditava eu, era a segurança dos alunos, professores e funcionários e só depois a dos equipamentos. Mas ao optar-se pela video-vigilância e pelos sistemas de alarme opta-se claramente por defender o quadro elecrónico e não as pessoas.
A escola do futuro anunciada por Sócrates é um local onde as figuras de autoridade como o professor e os funcionários são cada vez mais menorizados e substituídas, nas aulas, pelos quadros interactivos e, nos pátios, pelas câmaras de videovigilância.
Esta escola é o resultado dum governo que sofre duma variante da antropofobia aplicada especialmente aos portugueses. Não há interactividade que nos valha.
PÚBLICO, 25 de Julho