22.10.07

A Foice, O Martelo e o Cilício

"Em fins da década de 80 eu era um neoliberal ferrenho. Também era ateu. Embora tivesse chegado ao ateísmo através do marxismo, após ter abandonado o marxismo, o ateísmo foi-se reforçando ainda mais, sobretudo pela leitura de autores neoliberais e "não-teleológicos", darwinistas, positivistas, comportamentalistas, objectivistas e afins. Nesses tempos pensava eu que a moral era um subproduto da vida do homem em comunidade e, consequentemente, destítuida de qualquer valor que não a utilidade. A moral não tinha portanto nenhuma validade intrínseca a não ser a que lhe era dada pelas circunstâncias. No campo económico as consequências destas teorias eram óbvias. Eu devia tentar ganhar o máximo de dinheiro possível e viver de acordo com esses padrões. Finalmente, toda a realidade à minha volta se media pela utilidade para o meu conforto e para o meu bem-estar. Em virtude de uma série de circunstâncias, foram aparecendo vários pauzinhos nesta engrenagem. Vou enumerar apenas alguns.

O primeiro. A reflexão sobre Deus, sobre a vida e a Palavra de Cristo, e a consequente aproximação à Igreja Católica. Este percurso foi puramente individual, não tendo ninguém, nem dos meus amigos nem da minha família, que me apoiasse nesse caminho. Ainda agora essa realidade continua substancialmente idêntica."

Não deve haver neste mundo muitos homens tão ingénuos como o Timóteo. Passou toda a vida a enganar-se e a ser enganado.

Primeiro acreditou no marxismo. Acreditou no sol que brilha, numa sociedade superiormente gerida por um grupo de mentes brilhantes que dizem a cada um de nós o que devemos fazer, como devemos fazer, quando devemos fazer e em que situações é que devemos ser deportados para sítios desagradáveis, longe da família, onde se coma mal e se passe frio. ###
Depois, por alturas da queda do muro, o choque com a realidade fez o Timóteo ler alguns livros. Aparentemente, percebeu mal as leituras e passou a acreditar que a salvação do mundo estava em obrigar toda a gente a ganhar muito dinheiro e a viver à grande. E alguém lhe vendeu isto como uma filosofia liberal, e ele, santa ingenuidade, acreditou na filosofia e deu-lhe o prefixo neo.

Admito que o Timóteo não tenha sido muito bem sucedido no seu neoliberalismo, porque um dia esbarrou nas palavras de Deus, de Steinbeck e de um guru da globalização alternativa e, de um dia para o outro, passou a vituperar os que queriam ganhar muito dinheiro como ele até então. Num repente, tornou-se num missionário da mensagem e proclamou que o comércio internacional é o ópio dos povos e que a luta contra a globalização neoliberal se deve fazer com os proletários de todo o mundo reunidos numa igreja.

De crença em crença, o Timóteo de hoje acredita que a vida no mundo se deve rever numa coligação de interesses entre Deus e Marx. De cada um de acordo com a sua capacidade porque o IRS, o IVA, o IRC, o imposto de selo e mais o dízimo é a sua obrigação e a cada um de acordo com a sua necessidade na graça de Deus e da Sergurança Social.

Podíamos não ter chegado aqui se alguém lhe tivesse explicado em tempo útil que liberalismo é, em palavras simples, deixar que os outros escolham o seu caminho, não obrigar ninguém a fazer o que não deseja, não impor aos outros os nossos preconceitos morais. Ninguém melhor que um liberal compreende o Timóteo que, livremente, perante a informação que dispunha e a sua capacidade de a interpretar, escolheu como missão de vida a veneração repartida entre Josemaria Escrivá e Karl Marx.

O que o Timóteo deve agora compreender é que os outros também devem ter o direito de escolher. E devem ser deixados em liberdade para procurar o caminho da felicidade, que o Timóteo encontrou na dedicação à obra e ao sol que nos ilumina mas que outros Timóteos que leram outros livros, ouviram outros apóstolos ou tropeçaram noutras engrenagens, podem desejar encontrar noutro qualquer modo de vida, dedicando-se à família, ao trabalho, ao dinheiro, aos outros, à igreja, ao clube, ao descanso ou à luta pela liberdade.

Ou até, para a maior parte da humanidade, incluindo todos aqueles que não tiveram a sorte de nascer nestes países onde se instalaram as democracias liberais, a simples procura de melhores condições de vida, algo que Marx prometeu e nunca cumpriu e a que Josemaria nunca precisou de se dedicar.