Case study.
Sob o título "Escola no meio da selva", foi publicado em Julho de 2007 um artigo (1) num jornal semanal. No referido artigo, dava-se conta de uma escola situada nas imediações de um bairro no qual alegadamente "…os alunos da secundária brincam ao lado de toxicodependentes a injectarem-se". Ainda segundo o mesmo artigo "…já tem acontecido atirarem as seringas para lá do muro da escola".
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Comentários
1. O case study atrás mencionado pode servir de pano de fundo para discutir a questão da liberdade de escolha relativamente às escolas, não sendo, para o efeito, importante qual o local ou as demais circunstâncias concretas do caso em causa, ou o seu desfecho. De igual forma, o presente texto não pretende ferir a dignidade de nenhuma das entidades envolvidas.
2. Em Portugal existe uma rede de ensino público que pretende cobrir a totalidade do território e servir a generalidade dos candidatos. Contudo, é permitida a existência de escolas não-públicas, bem como a respectiva frequência por parte dos alunos relativamente aos quais os respectivos tutores legais (pais, usualmente) assim o desejem e o possam fazer.
3. A frequência das escolas privadas é paga pelos alunos, ao contrário das públicas. Como conseguem então as escolas privadas sobreviver? Para alguns, a resposta estaria na superior qualidade do ensino ministrado. Tal superior qualidade seria evidenciável, ainda segundo a mesma linha de pensamento, através da análise dos resultados dos rankings das escolas, obtidos pela comparação dos resultados obtidos pelos alunos das diferentes escolas.
4. Sem prejuízo do grande interesse que os rankings das escolas apresentam, a análise dos respectivos resultados permite questionar a conclusão atrás referida. De facto, se nas escolas que ocupam os lugares cimeiros as instituições privadas predominam largamente, em muitos outros casos são as escolas públicas que ultrapassam as privadas, tornando impossível estabelecer uma regra escolas privadas - melhores resultados/ escolas públicas - piores resultados. Esta regra simplesmente não corresponde à verdade.
5. Outro ponto a ter em conta é o paralelismo com o ensino superior. Os mesmos pais que escolhem para os seus filhos escolas privadas, no ensino pré-universitário, não hesitam em celebrar o acesso dos seus filhos a universidades públicas - aquelas que são mais procuradas por grande número dos alunos mais bem classificados.
6. Não parece existir, em consequência, um verdadeiro preconceito contra o ensino público, uma vez que, para muitas pessoas, ele serve na universidade (ou noutros tipos de ensino superior). Pode não servir, contudo, em idades mais precoces - idades nas quais as pessoas podem estar menos preparadas para se auto-protegerem.
7. Será difícil defender que a qualidade dos resultados pedagógicos constitua a única ou até a principal causa que leva muitos pais a optarem por escolas privadas. Provavelmente, estarão em causa um conjunto de factores, dos quais os resultados nos exames serão apenas um.
8. O case study que acima se refere mostra-nos um outro tipo de possível preocupação - a segurança, entendida de uma forma abrangente, incluindo a violência física e o acesso a substâncias presentemente de uso ilegal. Particularmente no caso do sexo feminino, a gravidez na adolescência é, de igual forma, um parâmetro importante.
9. Na perspectiva dos pais/alunos, uma escola pode servir, quer seja pública ou privada, se providenciar, não apenas resultados no plano cognitivo, mas também uma série de outros atributos, com particular destaque para a segurança do (a) aluno (a).
10. Qualquer análise empírica da questão deverá incluir os vários parâmetros com interesse, e se os defensores da escola pública reclamam a aferição dos resultados, no plano cognitivo, em função das "origens sociais" dos estudantes, importante seria quantificar outros parâmetros, tais como a violência no espaço escolar e peri-escolar e o início de uso de substâncias ilícitas.
11. As implicações da aplicação das filosofias das "Ciências da Educação" (incluindo, para os seus detractores, o "eduquês") podem estender-se muito para além dos meros resultados no plano cognitivo (e.g. resultados dos exames).
12. A avaliação que é feita por cada família que opta pelo ensino privado terá provavelmente um cariz multi-factorial, integrando:
a) as informações relativas à ou às escolas públicas disponíveis, ao seu desempenho no plano dos resultados escolares, ao grau de segurança que confere aos seus alunos, à proximidade, ao respectivo horário de funcionamento, à rede de transportes disponível, entre outros aspectos.
b) as informações da mesma natureza sobre as escolas privadas alternativas.
c) o custo de cada uma das alternativas, o qual pode ser constituído por muito mais do que a propina (despesas de transporte, livros, vestuário específico, etc.).
13. Tal como o número de detentores de seguros de saúde pode dar conta da avaliação que é feita do Serviço Nacional de Saúde, o número de alunos inscritos no ensino pré-universitário não público pode servir de barómetro sobre a apreciação, não de todo o ensino público, mas seguramente de parte dele.
14. A questão que se coloca, também neste caso, é a de saber onde reside o problema - se nos intérpretes, se na partitura. É que, em função da resposta à pergunta anterior, poderá optar-se pela solução mais adequada.
Pergunta aos detractores do modelo de Milton Friedman.
Voltando ao início, ao caso da alegada "Escola no meio da selva", talvez os detractores do modelo de Milton Friedman (2) (o qual contempla passar para a família/alunos o poder de decisão sobre qual a escola a frequentar pelo interessado) possam esclarecer se, atenta uma situação vagamente semelhante à acima referida, optariam pela sua frequência, ou se, em alternativa, prefeririam o direito à escolha.
(1) A.I.Pereira. Escola no meio da selva. Sol, 7 de Julho de 2007, pág. 30.
(2) M. Friedman. The role of government in education. 1955. Capítulo VI de "Capitalism and freedom",1962, Chicago University Press.
José Pedro Lopes Nunes
Sob o título "Escola no meio da selva", foi publicado em Julho de 2007 um artigo (1) num jornal semanal. No referido artigo, dava-se conta de uma escola situada nas imediações de um bairro no qual alegadamente "…os alunos da secundária brincam ao lado de toxicodependentes a injectarem-se". Ainda segundo o mesmo artigo "…já tem acontecido atirarem as seringas para lá do muro da escola".
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Comentários
1. O case study atrás mencionado pode servir de pano de fundo para discutir a questão da liberdade de escolha relativamente às escolas, não sendo, para o efeito, importante qual o local ou as demais circunstâncias concretas do caso em causa, ou o seu desfecho. De igual forma, o presente texto não pretende ferir a dignidade de nenhuma das entidades envolvidas.
2. Em Portugal existe uma rede de ensino público que pretende cobrir a totalidade do território e servir a generalidade dos candidatos. Contudo, é permitida a existência de escolas não-públicas, bem como a respectiva frequência por parte dos alunos relativamente aos quais os respectivos tutores legais (pais, usualmente) assim o desejem e o possam fazer.
3. A frequência das escolas privadas é paga pelos alunos, ao contrário das públicas. Como conseguem então as escolas privadas sobreviver? Para alguns, a resposta estaria na superior qualidade do ensino ministrado. Tal superior qualidade seria evidenciável, ainda segundo a mesma linha de pensamento, através da análise dos resultados dos rankings das escolas, obtidos pela comparação dos resultados obtidos pelos alunos das diferentes escolas.
4. Sem prejuízo do grande interesse que os rankings das escolas apresentam, a análise dos respectivos resultados permite questionar a conclusão atrás referida. De facto, se nas escolas que ocupam os lugares cimeiros as instituições privadas predominam largamente, em muitos outros casos são as escolas públicas que ultrapassam as privadas, tornando impossível estabelecer uma regra escolas privadas - melhores resultados/ escolas públicas - piores resultados. Esta regra simplesmente não corresponde à verdade.
5. Outro ponto a ter em conta é o paralelismo com o ensino superior. Os mesmos pais que escolhem para os seus filhos escolas privadas, no ensino pré-universitário, não hesitam em celebrar o acesso dos seus filhos a universidades públicas - aquelas que são mais procuradas por grande número dos alunos mais bem classificados.
6. Não parece existir, em consequência, um verdadeiro preconceito contra o ensino público, uma vez que, para muitas pessoas, ele serve na universidade (ou noutros tipos de ensino superior). Pode não servir, contudo, em idades mais precoces - idades nas quais as pessoas podem estar menos preparadas para se auto-protegerem.
7. Será difícil defender que a qualidade dos resultados pedagógicos constitua a única ou até a principal causa que leva muitos pais a optarem por escolas privadas. Provavelmente, estarão em causa um conjunto de factores, dos quais os resultados nos exames serão apenas um.
8. O case study que acima se refere mostra-nos um outro tipo de possível preocupação - a segurança, entendida de uma forma abrangente, incluindo a violência física e o acesso a substâncias presentemente de uso ilegal. Particularmente no caso do sexo feminino, a gravidez na adolescência é, de igual forma, um parâmetro importante.
9. Na perspectiva dos pais/alunos, uma escola pode servir, quer seja pública ou privada, se providenciar, não apenas resultados no plano cognitivo, mas também uma série de outros atributos, com particular destaque para a segurança do (a) aluno (a).
10. Qualquer análise empírica da questão deverá incluir os vários parâmetros com interesse, e se os defensores da escola pública reclamam a aferição dos resultados, no plano cognitivo, em função das "origens sociais" dos estudantes, importante seria quantificar outros parâmetros, tais como a violência no espaço escolar e peri-escolar e o início de uso de substâncias ilícitas.
11. As implicações da aplicação das filosofias das "Ciências da Educação" (incluindo, para os seus detractores, o "eduquês") podem estender-se muito para além dos meros resultados no plano cognitivo (e.g. resultados dos exames).
12. A avaliação que é feita por cada família que opta pelo ensino privado terá provavelmente um cariz multi-factorial, integrando:
a) as informações relativas à ou às escolas públicas disponíveis, ao seu desempenho no plano dos resultados escolares, ao grau de segurança que confere aos seus alunos, à proximidade, ao respectivo horário de funcionamento, à rede de transportes disponível, entre outros aspectos.
b) as informações da mesma natureza sobre as escolas privadas alternativas.
c) o custo de cada uma das alternativas, o qual pode ser constituído por muito mais do que a propina (despesas de transporte, livros, vestuário específico, etc.).
13. Tal como o número de detentores de seguros de saúde pode dar conta da avaliação que é feita do Serviço Nacional de Saúde, o número de alunos inscritos no ensino pré-universitário não público pode servir de barómetro sobre a apreciação, não de todo o ensino público, mas seguramente de parte dele.
14. A questão que se coloca, também neste caso, é a de saber onde reside o problema - se nos intérpretes, se na partitura. É que, em função da resposta à pergunta anterior, poderá optar-se pela solução mais adequada.
Pergunta aos detractores do modelo de Milton Friedman.
Voltando ao início, ao caso da alegada "Escola no meio da selva", talvez os detractores do modelo de Milton Friedman (2) (o qual contempla passar para a família/alunos o poder de decisão sobre qual a escola a frequentar pelo interessado) possam esclarecer se, atenta uma situação vagamente semelhante à acima referida, optariam pela sua frequência, ou se, em alternativa, prefeririam o direito à escolha.
(1) A.I.Pereira. Escola no meio da selva. Sol, 7 de Julho de 2007, pág. 30.
(2) M. Friedman. The role of government in education. 1955. Capítulo VI de "Capitalism and freedom",1962, Chicago University Press.
José Pedro Lopes Nunes